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trabalho invisível do cuidado

O TRABALHO INVISÍVEL DO CUIDADO

O trabalho invisível do cuidado e a preservação da nossa espécie

Quem cuida de quem cuida? E o que acontece se o trabalho do cuidado não mais existir? Não resistimos enquanto , simples assim.

Por Leninha Souza/Mídia Ninja

Como é possível padecer num paraíso? O que seria isso? Sofrer, suportar, aguentar viver em um lugar aprazível, onde reina a felicidade? O ditado popular traduziu a maternidade como sendo: ser mãe é padecer no paraíso. Com isso, colocou a maternidade numa sacralidade, num contexto em que suportar o insuportável era compatível com o .

Mas a realidade, o dia a dia, a maternidade real, vivida por reais, descortina um lugar muito diferente do paraíso. Um lugar construído para que nós, mulheres, permanecêssemos, certas de que ali cumprimos uma tarefa hercúlea e sem remuneração ou reconhecimento.

Se, por muitos anos, o trabalho de cuidado doméstico não havia ganhado a centralidade do debate nacional, hoje é impossível escamoteá-lo, em especial durante a celebração da data comercial em torno do dia das mães. Câmaras de Dirigentes Lojistas apostam na data como uma das mais importantes do comércio e da prestação de serviços em todo o país.

Não sou mãe, mas, como preta, periférica, que venho de uma família numerosa em que vivo cercada de mulheres, igualmente pretas e periféricas, ouso dizer que não queremos presentes. Queremos e precisamos avançar na discussão e na construção de políticas públicas que reconheçam o cuidado doméstico como ocupação, labor, passível de proteção e garantia previdenciária e o devemos construir o quanto antes, porque é tarde.

O trabalho do cuidado também faz ecoar as nossas desigualdades sociais. Ele pesa mais para as mulheres pretas, porque são elas a base dos serviços de cuidados para as famílias brancas e com recursos financeiros, são as mulheres pretas que garantem às mulheres brancas permanecerem no mercado de trabalho após a chegada dos filhos.

Mãe não é tudo igual. Nem a maternidade é igual para todas as mulheres. A psicanalista Vera Iaconelli, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo, aponta que temos um Padrão Ouro que é a maternidade branca, de classe média alta, de mulheres casadas, cisgênero, heterossexuais, cercada por babás, que gestaram e pariram e terceirizam os cuidados dos filhos a outras mulheres, normalmente pretas, pobres, assalariadas e sobrecarregadas.

O padrão real são mulheres com jornada de trabalho que ultrapassam 25 horas semanais de trabalho do cuidado, fora o emprego formal, que nem sempre têm aonde ou com quem deixar os próprios filhos para cuidar dos filhos dessas mulheres. Essas mulheres, pretas, pobres, são como a Mirtes, mãe do Miguel, o garotinho que acompanhava a sua mãe na casa dos patrões em plena pandemia e, por negligência da patroa, caiu do 12º andar de um prédio classe média alta no Recife.

A maternidade entra em colapso segundo a psicanalista. Surgem perguntas: Quem cuida de quem cuida? E o que acontece se o trabalho do cuidado não mais existir? Não resistimos enquanto sociedade, simples assim.

Mulheres pretas e pobres ensinam cotidianamente seus filhos a sobreviver. À , à de pai e do , à falta de oportunidade, à violência. Mulheres, mães, ensinam seus filhos a romperem padrões, a dizer “basta”.

Nós, mulheres, mães ou não, avançamos na luta por direitos como a remuneração financeira para o trabalho do cuidado, a redução da jornada de trabalho, ampliação das vagas em creches; pela licença-paternidade pelo mesmo tempo que dura a licença das mães com a chegada dos filhos, nos moldes que alguns países da Europa já o praticam, assim como a possibilidade de flexibilidade da jornada de trabalho para os casos de mães-solos, mães atípicas, entre outras.

Este ano o se prepara para lançar a Nacional do Cuidado. É, sem dúvida, o passo mais audacioso que damos no sentido de promover as mudanças necessárias na divisão do trabalho, de modo que se torne mais igualitária entre homens e mulheres. A Política Nacional do Cuidado terá especial atenção aos recortes de gênero, raça e etnia, exatamente porque busca vencer as nossas maiores e seculares desigualdades.

Nenhuma mãe sonha sofrer no paraíso. Mães reais lutam para viver dignamente num país justo, solidário e comprometido com elas e suas crias!

Como é possível padecer num paraíso? O que seria isso? Sofrer, suportar, aguentar viver em um lugar aprazível, onde reina a felicidade? O ditado popular traduziu a maternidade como sendo: ser mãe é padecer no paraíso. Com isso, colocou a maternidade numa sacralidade, num contexto em que suportar o insuportável era compatível com o amor de mãe.

Mas a realidade, o dia a dia, a maternidade real, vivida por mulheres reais, descortina um lugar muito diferente do paraíso. Um lugar construído para que nós, mulheres, permanecêssemos, certas de que ali cumprimos uma tarefa hercúlea e sem remuneração ou reconhecimento.

Se, por muitos anos, o trabalho de cuidado doméstico não havia ganhado a centralidade do debate nacional, hoje é impossível escamoteá-lo, em especial durante a celebração da data comercial em torno do dia das mães. Câmaras de Dirigentes Lojistas apostam na data como uma das mais importantes do comércio e da prestação de serviços em todo o país.

Não sou mãe, mas, como mulher preta, periférica, que venho de uma família numerosa em que vivo cercada de mulheres, igualmente pretas e periféricas, ouso dizer que não queremos presentes. Queremos e precisamos avançar na discussão e na construção de políticas públicas que reconheçam o cuidado doméstico como ocupação, labor, passível de proteção e garantia previdenciária e o devemos construir o quanto antes, porque é tarde.

O trabalho do cuidado também faz ecoar as nossas desigualdades sociais. Ele pesa mais para as mulheres pretas, porque são elas a base dos serviços de cuidados para as famílias brancas e com recursos financeiros, são as mulheres pretas que garantem às mulheres brancas permanecerem no mercado de trabalho após a chegada dos filhos.

Mãe não é tudo igual. Nem a maternidade é igual para todas as mulheres. A psicanalista Vera Iaconelli, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo, aponta que temos um Padrão Ouro que é a maternidade branca, de classe média alta, de mulheres casadas, cisgênero, heterossexuais, cercada por babás, que gestaram e pariram e terceirizam os cuidados dos filhos a outras mulheres, normalmente pretas, pobres, assalariadas e sobrecarregadas.

O padrão real são mulheres com jornada de trabalho que ultrapassam 25 horas semanais de trabalho do cuidado, fora o emprego formal, que nem sempre têm aonde ou com quem deixar os próprios filhos para cuidar dos filhos dessas mulheres. Essas mulheres, pretas, pobres, são como a Mirtes, mãe do Miguel, o garotinho que acompanhava a sua mãe na casa dos patrões em plena pandemia e, por negligência da patroa, caiu do 12º andar de um prédio classe média alta no Recife.

A maternidade entra em colapso segundo a psicanalista. Surgem perguntas: Quem cuida de quem cuida? E o que acontece se o trabalho do cuidado não mais existir? Não resistimos enquanto sociedade, simples assim.

Mulheres pretas e pobres ensinam cotidianamente seus filhos a sobreviver. À fome, à ausência de pai e do estado, à falta de oportunidade, à violência. Mulheres, mães, ensinam seus filhos a romperem padrões, a dizer “basta”.

Nós, mulheres, mães ou não, avançamos na luta por direitos como a remuneração financeira para o trabalho do cuidado, a redução da jornada de trabalho, ampliação das vagas em creches; pela licença-paternidade pelo mesmo tempo que dura a licença das mães com a chegada dos filhos, nos moldes que alguns países da Europa já o praticam, assim como a possibilidade de flexibilidade da jornada de trabalho para os casos de mães-solos, mães atípicas, entre outras.

Este ano o Brasil se prepara para lançar a Política Nacional do Cuidado. É, sem dúvida, o passo mais audacioso que damos no sentido de promover as mudanças necessárias na divisão do trabalho, de modo que se torne mais igualitária entre homens e mulheres. A Política Nacional do Cuidado terá especial atenção aos recortes de gênero, raça e etnia, exatamente porque busca vencer as nossas maiores e seculares desigualdades.

Nenhuma mãe sonha sofrer no paraíso. Mães reais lutam para viver dignamente num país justo, solidário e comprometido com elas e suas crias!

Fonte: Mídia Ninja Capa: Rovena Rosa/Agência Brasil 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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