A NEGRA NÃO COMO ESCRAVA, MAS COMO MODELO, NA OBRA DE TARSILA
A tela que consagrou Tarsila Amaral (1886-1973) como modernista não foi Abaporu, considerada um símbolo da nacionalidade brasileira, e sim A Negra, pintada em 1923, um ano depois da Semana de Arte Moderna de 1922 (Abaporu é de 1928).
Por Iêda Leal
Em matéria publicada no fascículo 3 da Coleção Os Negros, publicada pela Revista Caros Amigos nos anos 1970, Julia Navarro Toledo conta essa história:
“[A Negra] mostra uma mulher pintada com traços toscos, de seios fartos e pesados, grossos lábios que reforçam a imagem da mulher de origem africana.
Tarsila morava em Paris com um dos principais promotores da Semana, Oswald de Andrade, e tinha aulas com Fernand Léger, pintor cubista, autor do quadro Le Mécanicien, de 1918, que retrata um operário sob fundo cubista, no qual se pode perceber a influência sobre A Negra.
Tarsila, aluna dedicada, acabou por realizar sua primeira obra de destaque, [tendo uma mulher negra] desenhada não como escrava, mas como ‘modelo’.
A Negra de Tarsila é uma das obras que contribuíram, em 1928, para a elaboração do Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade. O texto procurava definir a identidade do povo brasileiro.
O Manifesto surgiu como um dos primeiros documentos onde a figura do negro apareceu como parte integrante da sociedade brasileira, que só o desqualificava e desprezava.
É a partir do quadro de Tarsila e do Manifesto de Oswald que se esboça a ideia do negro como brasileiro, ideia que alcançaria uma maior concretização com o tropicalismo, consagrado por Gilberto Gil e Caetano Veloso em 1968.”

Iêda Leal – Dirigente do Movimento Negro Unificado. Conselheira da Revista Xapuri.