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A UBERIZAÇÃO DA CATEGORIA DOCENTE

A UBERIZAÇÃO DA CATEGORIA DOCENTE

A uberização da categoria docente

Em 15 de outubro celebramos o Dia do Professor no Brasil, uma data propícia para refletirmos sobre as atuais condições de trabalho da categoria, inclusive sobre como a uberização, enquanto tendência global no mercado de trabalho, se estende para esses profissionais da educação e quais os impactos dessa realidade

Por Fundação Perseu Abramo

Ao todo, cerca de 2,5 milhões de pessoas exercem a profissão no país, sendo a grande maioria, 2,2 milhões, na educação básica, e 323.376 no ensino superior (dados do Censo Escolar – Inep 2022). O piso salarial dos professores da rede pública, em regime de 40 horas mensais, subiu para R$4.420,55, em 2023, devido a um reajuste de 15% efetivado pelo governo Lula, em relação ao piso anterior.

Contudo, para além dos salários, os profissionais da educação têm enfrentado, historicamente, desafios envolvendo também a falta de condições mínimas de estrutura nas escolas, tais como acesso a laboratórios e bibliotecas, assim como um processo de desvalorização social e até mesmo criminalização da profissão. Além disso, nem todos profissionais com formação para lecionar encontram empregos na área.

Diante desse cenário, cada vez mais trabalhadores e trabalhadoras se submetem aos contratos precários, sem garantias trabalhistas e com intensas jornadas de trabalho, como forma de sobrevivência. São diversos tipos de contratação enquadradas nesses moldes, dentre elas um tipo muito crescente e que tem se alastrado nas diversas categorias profissionais: aquela vinculada a aplicativos digitais, tal como a Uber.

A chamada uberização do mercado de trabalho é uma tendência mundial, especialmente no setor de serviços, e materializa a ideia de que o trabalhador/a tem de ir para o mercado de trabalho levando tudo, sendo responsável pela mercadoria que vai vender e pelo serviço que vai prestar. Trata-se de um novo passo de precarização, pelo qual as empresas desenvolvem mecanismos de transferência de custos e riscos não mais para empresas terceirizadas, mas para uma multidão de trabalhadores autônomos disponíveis, retirando suas garantias trabalhistas mínimas e, ao mesmo tempo, consolidando a sua subordinação.

A uberização se apresenta como um caminho aparentemente rápido e fácil para conseguir algum tipo de remuneração, dizendo que há lugar para todos e que o trabalhador é gerenciador de si próprio (ele trabalha quando quer e da forma que ele quiser). No entanto, há uma empresa que faz a mediação do encontro entre aqueles que fornecem o serviço e aqueles que querem comprar, e que determina a porcentagem do valor a ser recebido pelo serviço, sem transparência e sem diálogo algum com representantes de trabalhadores/as. Na categoria docente, a uberização do trabalho vai ao encontro de um cenário histórico de desvalorização e de ataques advindos do modelo neoliberal, já se tornando realidade em aplicativos e plataformas em pleno funcionamento.

Uma dessas empresas, a GetNinjas, apresenta-se em seu aplicativo como “o maior aplicativo para contratação de serviços na América Latina” e foi eleita pela Forbes Brasil em 2017 como uma das mais promissoras. Atua em todo o território nacional e reúne mais de 200 serviços em sua plataforma, incluindo o de professores/as.

Mediante a pergunta “Qual serviço de Aulas está precisando?”, um cardápio de opções é apresentado com conteúdos que variam de artes, beleza, bem-estar e dança, concursos públicos, educação especial, ensino profissionalizante, ensino superior, escolares, reforço, idiomas e pré-vestibular. O orçamento é disponibilizado em no máximo 60 minutos, e toda a “contratação” do serviço é feita via aplicativo, podendo ser ofertadas aulas on-line ou até mesmo presenciais e particulares.

Os docentes uberizados não têm vínculo trabalhista, portanto inexiste estabilidade no trabalho, assim como plano de carreira e direitos trabalhistas. Quanto à sua remuneração, o professor uberizado dependerá das horas efetivamente em aula (sem contabilizar as horas de preparo de aula, correção de exercícios, etc) com total imprevisibilidade quanto ao salário.

Estes docentes precisam ainda arcar com as despesas fundamentais para sua atividade, tais como computador, internet de qualidade, livros e recursos didáticos. A avaliação desse profissional é feita pelos usuários, sem conhecimento por parte do professor, e, caso tal avaliação seja inferior às definidas pela plataforma da empresa, eles terão seus serviços bloqueados e serão suspensos do aplicativo, sem direito mínimo ao contraditório.

Dessa forma, o trabalho do docente uberizado situa-se na condição mais precarizada e desvalorizada do professor no mercado de trabalho, com uma jornada indefinida e instável, na qual este precisará disponibilizar o seu tempo de forma integral, em cadastro na plataforma, onde estarão catalogados em listas de espera. São os professores e professoras em condições mais precárias de vida que já precisam se submeter a essa superexploração do trabalho via aplicativos digitais.

Certamente, esse modelo de trabalho impacta diretamente na vida dos profissionais e no desenvolvimento de toda nossa sociedade. A educação precisa ser transformada em nosso país. Mas, não nessa direção. Pelo contrário. É preciso avançar na direção que assegure que esses profissionais tenham condições dignas de trabalho e que, em seu conjunto, tenham o reconhecimento social tão merecido pelas batalhas históricas que travam em prol da educação brasileira.

Fonte: Fundação Perseu Abramo Capa: Reprodução/Café com Sociologia

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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