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A Verdade, a Água e o Homem: Do Pecado Original ao Pecado Mortal

A Verdade, a Água e o Homem: Do Pecado Original ao Pecado Mortal

A Verdade, a Água e o Homem: Do Pecado Original ao Pecado Mortal

Dedicado a D. Pedro Casaldáliga, o peregrino do de Dentro…

Por Altair Sales Barbosa

Brotando das entranhas da Terra, ou precipitando na forma de chuvas, granizo e neve, a água se nos apresenta na roupagem de vários personagens: pingos gotejando, fonte jorrante, torrente rugidora, cascata, lagos, rios e mares. Quando pura e límpida, estimula a inteligência; quando suja, mata de maneira avassaladora, sendo responsável por 1,7 milhões de mortes por ano. É o único elemento encontrado no estado gasoso, sólido e líquido.

Sua origem se deve à fissura de minerais silicatados, em cuja composição entram átomos de hidrogênio e oxigênio, expelidos pelos vulcões ou lançados à atmosfera primitiva da Terra pelo impacto de meteoros e meteoritos. Isso aconteceu no alvorecer da história do nosso planeta.

De lá para cá se passaram quase cinco bilhões de anos, até que um dia, entre os seres viventes do planeta Terra, surgiu o gênero Homo, fruto de processos evolutivos complicados, antecedidos de adaptações e mutações coroadas de êxito. Esse fato se deu há pouco tempo, geologicamente falando, dois milhões de anos, numa época denominada Pleistoceno, caracterizada por que afetaram todo o planeta e, de forma decisiva, o continente africano, berço da humanidade.

Os primeiros representantes do gênero humano, conhecidos como Homo habilis, se apossaram das águas do antigo lago Turkana, impedindo que seus parentes, os Australopithecineos, fizessem também uso dessa água. E assim, pela força sedimentada no egoísmo, nosso primeiro ancestral conduz à extinção nossos parentes próximos e com base na competição se estabelecem à margem do lago, transformando-o no seu território primordial. Com isso, a humanidade ainda no seu alvorecer, na disputa pela água, comete o “Pecado Original”, fundamentado no egoísmo e no desejo de não compartilhar.

Do alto do seu poderio o Homo habilis se transforma em Homo erectus, conquistando, além da África, a Ásia Menor, o Extremo Oriente e a Europa, sempre migrando ao longo de antigas fontes de águas cristalinas. Por volta de 200 a 150 mil anos Antes do Presente (A.P.), o Homo erectus dá origem ao Homo sapiens primitivo, exímio caçador, nômade, cujo consumo de proteína animal o transforma num guerreiro fabuloso, mas extremamente dependente da água, quer para saciar sua sede, quer para suprir suas necessidades alimentares.

Por volta de 30 mil anos A.P., o Homo sapiens primitivo, agora transformado em Homo sapiens sapiens, já se encontra disperso pelos quatro cantos do planeta. Os vestígios arqueológicos demonstram que por muito tempo nossos antepassados escolhiam seus locais de acampamento, ou locais para construir suas aldeias e cidadelas, levando em consideração a qualidade da água.

Como artimanha usavam sacrificar um animal e examinar o seu fígado, se este estivesse azulado, poderia ser indício de água ruim, mas se o fígado do animal se apresentasse com aspecto saudável, significava que ali tinha água de boa qualidade. E assim a humanidade foi estabelecendo uma relação de forte amor com a água.

Não é de se estranhar, portanto, que os primeiros documentos escritos dos Sumérios já contivessem normas sobre a utilização da água.

Os camponeses sediados às margens do Nilo, do Eufrates e do Tigre tinham de evitar que esses rios, por ocasião de suas enchentes, invadissem suas lavouras. Para isso, inventaram primitivos, mas eficientes, pluviômetros para medir o volume de vazão da água.

São incontáveis os dados registrados em antigos documentos escritos que assinalam o significado que se emprestava ao uso da água. No Eufrates, por exemplo, foi encontrada um lápide em calcário de mais ou menos 4 mil e 300 anos A.P. com a seguinte inscrição: “Ur-Namu foi quem ordenou que se realizassem as obras dos canais; mas ele cede aos deuses a honra de fornecer a dádiva que é a água abençoada, que dá fertilidade às terras”.

Também no Velho se encontram inúmeros indícios da importância que se conferia à água. Eis um exemplo: “Empreendi grandes obras, edifiquei casas, plantei vinhas, fiz jardim e pomares e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. Fiz açudes para regar com eles os bosques em que reverdeciam as árvores” (Eclesiastes 2, vers. 4 a 6).

A noção de que se devia economizar água estava profundamente arraigada na mentalidade dos nossos antepassados da Antiguidade. O antigo provérbio grego dizia: “O melhor, porém, é a água, melhor dos que os jogos olímpicos e do que o ouro”.

Foi Aristóteles o primeiro a estabelecer as relações entre a água da chuva e a água subterrânea.

Hipócrates faz inúmeras menções às fontes e a seus poderes curativos.

Ainda na Antiguidade, as fontes mereciam a veneração dedicada às mães que, por sua vez, eram as protetoras dos lagos.

A água durante séculos foi utilizada como fonte de purificação, motivou João Batista no rio Jordão a expurgar o pecado original, usando-a como símbolo do batismo. Todas as religiões da Terra a usam com seus poderes mágicos nos seus rituais. É a madrinha dos querubins.

Foi nas margens do rio Niger, em Timbuctu, que Ibn Batuta, pregador do Islão pelas terras do norte da África ao Iêmen, criou no século XI a primeira Universidade do mundo, para estudar a relação dos povos com a água e seus costumes.

E assim, acumulando conhecimentos, o homem da pedra lascada, quase que num passe de mágica transforma-se em agricultor, promove no início a revolução muscular, depois a revolução mecânica, a revolução elétrica e, nas últimas décadas, a cibernética, matriz da revolução eletrônica.

Entretanto, a tecnologia que possibilitou ao homem sair do seu planeta e fincar bandeirolas em outros rincões do sistema solar trouxe também o consumismo voraz como modelo de desenvolvimento e progresso. E, em nome deste, uma pequena parcela da humanidade moderna, de posse dessa alta tecnologia e representada por grandes empresas multinacionais desvinculadas dos estados e, por isso, sem responsabilidade social e moral, se apossaram das águas modernas, poluindo os rios, construindo represas, desviando e transpondo os cursos das águas, sem levar em consideração as histórias evolutivas particulares de cada lugar.

O fato é que hoje temos conhecimento suficiente para afirmar que a água é um recurso finito que em breve vai faltar em várias partes do mundo, que os aquíferos que sustentam os rios estão na base mínima de suas reservas e que com a retirada da vegetação nativa a recarga desses aquíferos se torna impossível. Sabemos que necessitamos de água em nossas casas, também necessitamos dela para a produção de alimentos, para a indústria, para produção de energia etc., mas também sabemos que, sem saneamento, a água, fonte da vida, se transforma num veneno letal.

Os donos do mundo já estão falando em privatização das águas, ou seja, querem considerar a água apenas um bem comercial, em contraposição aos que veem a água como patrimônio da humanidade e que, por isso, deve ser preservada e não privatizada, nem transplantada.

Agindo desta forma os grupos poderosos, que em nome de um falso progresso já desestruturaram o território, orquestram agora o controle do planeta, pela privatização da água. Será o princípio do fim, porque a ganância, associada ao egoísmo no seu mais elevado grau, fará o gênero humano se destruir pelo “Pecado Mortal”.

O mais impressionante é que esses grupos ou seus representantes se arvoram em ser os defensores do planeta Terra. Temos que salvar o planeta, apregoam eles, nos seus sistemas de comunicação, tomando medidas enganosas e paliativas.

Ora, a Terra tem 4,6 bilhões de anos e durante sua trajetória evolutiva sofreu várias percalços: já foi Pangeia, Laurásia, Gondwana, viu quase que a total extinção da vida pelo impacto de meteoros, vulcões, furacões etc., mas o nosso planeta, utilizando como parâmetro o tempo da natureza, se refez, e mesmo que de forma diferente continuou sobrevivendo, e assim continuará.

Ainda que um dia sequem todas as fontes de água potável, com alguns milhões de anos, a velha Terra será capaz de se recuperar.

Portanto, a preocupação não deve ser com o planeta. A Terra não precisa do homem, o homem é que necessita dela. Por isso, a preocupação deve ser com o gênero Homo, este sim merece uma nova oportunidade, pois o modelo econômico predatório no qual está inserido o encurrala num beco sem saída.

A água, berço da vida na terra, poderia fazer renascer na cabeça da modernidade novas mentalidades. E, na iminência da sua falta, quem sabe novas consciências pudessem brotar, fazendo emergir a liberdade e a luta pela vida.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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