A vida secreta de uma rãzinha cujo lar são as bromélias
Cientistas descrevem uma nova espécie para a ciência: uma minúscula rã que vive e cria seus filhotes dentro de bromélias no alto das montanhas capixabas.
Por Duda Menegassi/O Eco
Dentro de uma bromélia, no alto das montanhas capixabas, vive uma minúscula rã. Com cerca de 15 milímetros – menor que um polegar – seu corpo exibe uma coloração amarronzada que se mistura à da base das folhas da bromélia e à serrapilheira. Uma camuflagem feita sob medida para evitar a atenção de predadores. A vida secreta deste pequeno anfíbio, entretanto, não passou desapercebida de uma equipe de pesquisadores que acaba de descrever a nova espécie para a ciência: a rãzinha-de-bromélia-do-garrafão.
A jornada por trás dessa descoberta começou em 2015, em uma expedição científica à Pedra do Garrafão, no município de Santa Maria de Jetibá, nas montanhas do Espírito Santo, que contou com os biólogos do Projeto Bromélias e do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA). A pesquisa levou oito anos, que incluíram a realização de outros campos de coleta, até que finalmente houvesse informações suficientes para levantar o véu sobre esta nova espécie, Crossodactylodes teixeirai – descrita em artigo publicado no periódico internacional Journal of Herpetology.
O gênero Crossodactylodes é composto por seis espécies de rãs, todas elas bromelígenas – ou seja, com vidas associadas às bromélias – distribuídas entre o sudeste e nordeste do Brasil.
Uma das peculiaridades descobertas pelos pesquisadores é que não é em qualquer bromélia que a rãzinha-do-garrafão se instala. Ela só mora em casa com piscina, ou melhor, bromélias com tanques internos capazes de armazenar água. E escolhe aquelas mais abrigadas, dentro da floresta, sem exposição direta do sol.
A maior parte dos indivíduos adultos documentados pelos cientistas (64%) vivia em casais dentro da mesma bromélia e a maioria estava junto dos seus filhotes – ovos e girinos – num comportamento que indica o cuidado parental com seus bebês, que são criados ali mesmo, dentro dos tanques.
Em quatro plantas, entretanto, foram registrados verdadeiros albergues, com até seis indivíduos adultos – quatro machos e duas fêmeas – numa mesma bromélia.
Para além das bromélias, o lar da rãzinha é a Mata Atlântica montana do Espírito Santo, mais especificamente um fragmento florestal localizado entre 1.212 e 1.374 metros de altitude, no entorno da Pedra do Garrafão. Conhecida apenas nesta localidade, a espécie ganhou o nome de rãzinha-de-bromélia-do-garrafão (Crossodactylodes teixeirai). Enquanto seu nome popular homenageia seu domicílio, seu nome científico homenageia o herpetólogo capixaba Rogério Luiz Teixeira, que faleceu em 2015.
Conhecida em uma única e restrita localidade – com área de ocupação estimada em apenas 4 km² –, os pesquisadores alertam para as potenciais ameaças de uma maior perda de habitat ou fragmentação já que a área – situada dentro de propriedades particulares – não é protegida por nenhuma unidade de conservação.
O remanescente em que a rã-de-bromélias-do-garrafão vive já está rodeado por uma paisagem fortemente alterada pela ação humana, degradada pela agricultura e pelo turismo desordenado, com poucos fragmentos florestais sobreviventes. Os cientistas não descartam, entretanto, a possibilidade de que outras populações da espécie possam ser encontradas em outros fragmentos ao redor da Pedra do Garrafão. Por isso, eles sugerem que a rã-da-bromélia-do-garrafão seja classificada como “Deficiente de Dados”, ou seja, que requer mais pesquisa para compreender a real situação de risco de extinção.
Duda Menegassi – Jornalista. Fonte: O Eco. Foto: Rodrigo B. Ferreira.