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Clarice: Erros do Passado
Por Clarice Lispector
Para quem – por desespero ou por gosto – vive aludindo aos erros do passado, eis uma frasezinha de um homem chamado Fénelon: “Pode-se corrigir o passado com o futuro”. Talvez seja, aliás, o único modo de corrigir o passado.
Pois uma verdade óbvia é esta: enquanto você lamenta o passado, o futuro lhe foge das mãos. E não há tanto do que se recriminar ou lamentar: não há outro modo de viver senão o de errar e corrigir-se, e depois errar de novo e corrigir-se de novo. O que não chega a ser trágico.
Trata-se do jogo da vida, e todos nós jogamos o mesmo jogo. Agora, o que é mesmo uma pena é uma pessoa sentar-se num canto da sala (figurativamente), e lamentar, lamentar, lamentar.
Quem está no jogo tem que aceitar as regras do jogo. Você há de dizer: “Eu não pedi pra entrar no jogo, não pedi pra nascer”.
Pois esse argumento é uma mistura de neurastenia, vontade de despistar, má vontade e chicana. Tenha cuidado com uma coisa: quando lamentar-se começa a ser um consolo, é tempo de prestar atenção.
Clarice Lispector – Escritora (1920-1977). Em “Correio Feminino”. Organização Aparecida Maria Nunes. Editora Rocco, 2006.