acarajé

ACARAJÉ: UMA OFERENDA SAGRADA

Acarajé: uma oferenda sagrada

Além de prato símbolo da Bahia, vendido em todas as esquinas de Salvador, o acarajé é a comida de um orixá

Por Rafael Sette Câmar

“É uma oferenda feita para iansã, no terreiro de candomblé. A hóstia está para a igreja católica assim como o acarajé e o abará estão para as religiões de matriz africana. Todos têm a mesma importância”. Quem me explicou isso foi a Rita Santos, coordenadora da ABAM, a Associação Nacional das Baianas de Acarajé.

Você pode até não conhecer essa história, mas provavelmente sabe que o acarajé é um bolinho de feijão fradinho frito em azeite de dendê, recheado com camarão, vatapá, caruru. E dono de um sabor único. Comum na região ocidental da África, o prato tem um nome em cada pedaço do continente. É kosai no norte da Nigéria, koose em Gana e akara em outros lugares, embora em nenhum deles seja exatamente igual. Segundo alguns pesquisadores, o acarajé é um parente distante do falafel dos árabes.

É do último nome que se originou a nomenclatura brasileira. Em iorubá, àkàrà significa “bola de fogo” e je é “comer”. Difícil pensar num nome mais acertado. E já que falamos em fogo, está nele – e nos conceitos de quente e frio – uma das maiores gafes cometidas por turistas desavisados. “Quando o cliente chega na baiana e ela pergunta: ‘quente ou frio’?, e a pessoa fala quente, a baiana vai encher de pimenta. Não é quente porque acabou de fritar, é porque vai ter pimenta”, explica, entre risos, a Rita, que dá a dica – quem quiser um bolinho que acabou de sair do fogo deve dizer exatamente isso. Aí não tem chance de erro.

A INCRÍVEL HISTÓRIA DO ACARAJÉ

Há pelo menos três séculos as baianas do acarajé trabalham em suas receitas, que foram trazidas da África durante o período colonial. Foram as chamadas escravas de ganho, cuja função era ir para rua e trabalhar para as patroas, vendendo mercadorias em tabuleiros, que iniciaram a prática.  Elas vendiam de tudo, de mingaus a peixes fritos, de acarajés a bolos e quitutes como a cocada.

Embora tivessem que repassar uma grande parte do lucro para suas proprietárias, as escravas de ganho podiam ficar com um pouco do que recebiam. E foi assim que muitas delas sustentaram suas famílias – e houve até casos de mulheres que conseguiram comprar a própria liberdade. Não é à toa que a Rita Santos diz que a baiana do acarajé foi primeira mulher empreendedora do Brasil.

Foi do lucro do tabuleiro das baianas que veio também o dinheiro para criar as irmandades religiosas e financiar os terreiros de candomblé, mais um argumento para a importância religiosa do acarajé. Para as religiões de matriz africana, Iansã, deusa dos ventos e das tempestades, buscou Ifá, um oráculo, para fazer um alimento para seu marido, Xangó, o orixá da justiça, dos raios, do trovão e do fogo. A orientação do oráculo foi que, após comer, Xangô deveria falar para seu povo. Quando ele fez isso, labaredas de fogo começaram a sair de sua boca, o mesmo acontecendo com Iansã.

Tudo no acarajé e nas baianas está repleto de simbolismo, do preparo da receita às roupas das cozinheiras. Quando preparado para Iansã, na forma de oferenda mesmo, o acarajé é sempre frito e sem complementos.

O ofício das baianas continuou após o fim da escravidão e entrou de uma vez por todas no imaginário popular ao longo do século 20. Em 1939, Dorival Caymmi e Carmen Miranda perguntaram o que é que a baiana tem, enquanto Ari Barroso lembrou que “no tabuleiro da baiana tem vatapá, caruru, mungunzá e umbu”.

Já no século 21, o ofício das baianas do acarajé foi inscrito como patrimônio imaterial da Bahia e patrimônio cultural brasileiro. A importância do prato é tão grande que a FIFA, durante as Copas das Confederações e do Mundo, cedeu a uma forte pressão, e permitiu que as baianas estivessem dentro da Arena Fonte Nova, vendendo seus acarajés, exatamente como faziam há décadas. E pode ser que voos mais altos surjam por aí: há quem defenda que o acarajé seja declarado patrimônio mundial da humanidade, numa petição que seria feita em conjunto por Brasil e Nigéria, onde uma versão do prato é café da manhã de muitos.

Nesse meio tempo, uma coisa não mudou – o prato continua ligado à fé, mesmo que não seja mais exclusividade das baianas do acarajé.

Rafael Sette Câmara – Jornalista, blog
www.360meridianos.com

 

ACARAJÉ DE LIQUIDIFICADOR DA BELA GIL

Por Lúcia Resende

Ingredientes

  • xícaras de feijão fradinho descascado
  • 1 cebola
  • 1 pitada de sal
  • Azeite de dendê para fritar

Modo de fazer

Deixe o feijão fradinho de molho de um dia para o outro. Descasque, escorra e coloque no liquidificador (ou processador) com a cebola e o sal. Passe para uma tigela e bata bem, para aerar a massa, até ela dobrar de tamanho. Aqueça bem o azeite de dendê (com uma cebola dentro, isso evita que o azeite queime). Coloque colheradas da massa para fritar no azeite, tendo o cuidado para não virar antes que o bolinho esteja dourado de um lado. Vire, frite do outro lado e está pronto o acarajé, bem crocante e com aquele gostinho que só a Bahia tem!

Obs.: Para rechear, vatapá, caruru, tomate picadinho, coentro, camarão.

Capa: Betto Jr

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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