Acre: janela para o mundo
O Acre é o estado mais ocidental da Amazônia brasileira. Sua área de 164 mil quilômetros quadrados faz fronteira com o Peru e a Bolívia, e aproximadamente 80 por cento de sua floresta está preservada. Até os anos 1960, mais da metade da população vivia nesse meio, na condição de seringueiro, ribeirinho e indígena, o que inspirou a denominação de “povos da floresta”.
Por Elson Martins
Hoje, a parte maior dos habitantes (900 mil) mora na cidade. Os indígenas do estado somam 22 mil, compondo 16 grupos que ocupam 34 aldeias. Tem ainda quatro povos isolados, sem contato com os não índios.
Até o fim do Século 19 o estado pertencia à Bolívia e em menor parte ao Peru. Na época, foi ocupado por nordestinos brasileiros atraídos pela exploração da borracha, chamada de “ouro branco”. O látex que sangrava da árvore Hevea brasiliensis já era largamente utilizado em automóveis e artefatos no mundo industrializado, por isso, a região atraiu a cobiça nacional e internacional.
Foi inevitável o conflito armado com a Bolívia, que resultou na anexação do território ao Brasil, em 1903. A questão com o Peru foi resolvida em 1908.
A partir de 1912, entretanto, a borracha produzida na Malásia em seringais plantados com sementes da Amazônia pirateada pelos ingleses tomou conta do mercado internacional. Os capitais internacionais que estimulavam a borracha amazônica se retiraram e só retornaram, por curto tempo, durante a Segunda Guerra Mundial (1939–1945), quando os japoneses aliados a Hitler suspenderam o fornecimento para Inglaterra e Estados Unidos.
Sem dinheiro e sem aviamento, os seringais acreanos ficaram décadas à míngua. Os patrões foram morar nas cidades de Manaus, Belém e Rio de Janeiro com os recursos obtidos na Belle Époque, pensando apenas na dívida que ficou no Basa (Banco da Amazônia). Já os “povos da floresta” passaram a viver com o conhecimento e a vivência nas matas, abrindo pequenos rocados, cuidando de pequenas criações (porco, galinha, pato), caçando e pescando, explorando a castanha-do-pará e outros produtos da floresta. Muitas famílias trocaram a floresta pela cidade, mas perderam qualidade de vida na troca.
O BERRO DO BOI
O pior veio em seguida: com a ditadura militar e civil de 1964, os militares decidiram ocupar a Amazônia com fazendas agropecuárias sem levar em conta o extrativismo das populações tradicionais e o seu meio ambiente.
Grupos do sul e sudeste receberam incentivos fiscais e créditos baratos para adquirir os seringais hipotecados no Basa (Banco da Amazônia), o que facilitou a venda de um terço do território acreano (5 milhões de hectares) – com os seringueiros dentro –, para grupos como Copersucar, Bradesco, Cinco Estrelas, Coloama e Bordon, entre outros.
A ordem era bovinizar a Amazônia. E o governador nomeado pelos generais no poder, Francisco Wanderley Dantas (do partido Arena), abriu as porteiras para a boiada passar.
Em meados de 1975, cerca de 60 mil famílias extrativistas sofriam ameaças de expulsão por jagunços, capatazes, operadores de motosserra, agentes da Policia Civil e Militar, advogados corruptos, oficiais de Justiça e até juízes, sem direito de defesa.
No mesmo ano a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) instalou sua delegacia regional em Rio Branco, e o delegado regional, João Maia da Silva Filho, sociólogo e economista rural, passou a organizar oito sindicatos de Trabalhadores Rurais no estado e no município amazonense de Boca do Acre.
Assim nasceu o movimento de resistência que projetou os líderes seringueiros Wilson Pinheiro e Chico Mendes como defensores da floresta e dos povos que vivem nela.
O movimento avançou depressa, mas custou a morte dos dois: Wilson foi morto em 21 de julho de 1980, ao escurecer, na sede do Sindicato de Brasiléia, quando assistia à novela “Água Viva”, da Globo, com três tiros nos rins, disparados por um jagunço que estava à espreita, do lado de fora do prédio.
Chico Mendes foi assassinado também ao anoitecer, em 22 de dezembro de 1988, pelo peão Darci Alves a mando do pai, o fazendeiro Darli Alves. Estava em casa e saía pela porta da cozinha para tomar um banho no quintal, quando sofreu um tiro de chumbo no peito.
Elson Martins – Jornalista. Escritor Acreano. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Foto de capa: Foto: Divulgação/ Wikimedia Commons.