Adélia Prado: Envelhecer com viço e ternura
Nosso país avança rumo a se tornar um país de anciãos. Em algumas décadas, teremos ainda muito menos nascimentos e muito mais pessoas na faixa dos 75 anos, idade proposta pelo governo interino do momento para aposentar as pessoas: na hora da morte. Enquanto, segundo os versos de Bandeira, “a indesejada das gentes” não chega, a escritora Adélia Prado, em seu livro “Erótica da Alma”, nos passa super dicas para envelhecer com viço e ternura. Vejamos:
Todos vamos envelhecer… Querendo ou não, iremos todos envelhecer. As pernas irão pesar, a coluna doer, o colesterol aumentar.
A imagem no espelho irá se alterar gradativamente e perderemos estatura, lábios e cabelos.
A boa notícia é que a alma pode permanecer com o humor dos dez, o viço dos vinte e o erotismo dos trinta anos. O segredo não é reformar por fora. É, acima de tudo, renovar a mobília interior: tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente.
Porque o tempo, invariavelmente, irá corroer o exterior. E, quando ocorrer, o alicerce precisa estar forte para suportar.
Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história. Que usa a espontaneidade pra ser sensual, que se despe de preconceitos, intolerâncias, desafetos.
Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o bom humor apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios.
Erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo. Erótica é a alma que aceita suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores.
Aprenda: bisturi algum vai dar conta do buraco de uma alma negligenciada anos a fio.
ADÉLIA PRADO
Adélia Luzia Prado de Freitas, ou simplesmente Adélia Prado , é cidadã mineira de Divinópolis (13 de dezembro de 1935) que deu de passar por essa vida como professora (por 24 anos), filosofando, escrevendo contos e poetando sobre o cotidiano em um estilo único, carregado de graça, e valorização do universo e o verbo feminino. Em seu poema “Com licença poética” ensaia seus próprios traços biográficos.
COM LICENÇA POÉTICA
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.
Divago, quando o que quero é só dizer te amo.
Dor não tem nada a ver com amargura. Acho que tudo que acontece é feito pra gente aprender cada vez mais, é pra ensinar a gente a viver. Desdobrável. Cada dia mais rica de humanidade.
Me dão mingaus, caldos quentes, me dão prudentes conselhos, eu quero é a ponta sedosa do teu bigode atrevido, a tua boca de brasa.