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Ajustar os tempos

Ajustar os tempos e modos do governo aos tempos e modos da emergência climática

Ajustar os tempos e modos do governo aos tempos e modos da emergência climática

O governo Lula começou antes da posse quando ele próprio assumiu as tratativas para aprovação da emenda constitucional nº 26, de 21 de dezembro de 2022, que reformatou o orçamento de 2023 e possibilitou “incluir os pobres no orçamento” e também para construir um ajuste na sua relação com as forças políticas que dominam o Congresso Nacional. Possibilitou também a exclusão das doações para financiar projetos socioambientais do chamado teto de gastos. 

Por Gilney Viana

A participação no governo de partidos e lideranças que o apoiaram no segundo turno, e os que se aproximaram após este, exigiu e arte do presidente. Quando parecia iminente a passagem da articulação para a gestão político-administrativa, adveio a tentativa fracassada do golpe de estado de 8 de janeiro de 2023, cujo enfrentamento cobrou um tempo precioso de início de governo. 

A crise aguda foi controlada, resultando no isolamento da oposição da direita mais radical e criando uma condição mais favorável para o governo, enfim, apresentar e iniciar a efetivação das suas , com destaque para , política indigenista e igualdade racial e, mais recente, . A política e a governança ambiental ficaram subsumidas, e o que é mais preocupante, não aparentam ritmo e radicalidade exigidos pela emergência climática e a transição ecológica.

A PERCEPÇÃO DA CRISE NO MUNDO E NO BRASIL

A crise ecológica se agravou como atesta a Conferência das Nações Unidas sobre (COP 15) em 19 de dezembro de 2022, em Montreal, que reconheceu não ter atingido as Metas de Aichi (COP 10) fixadas em Nagoya, 2010; corroborou o Relatório da Plataforma Intergovernamental Político-Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) de 2019 – que denunciou que até um milhão de espécies estão ameaçadas de extinção – e propôs, dentre outras medidas, ampliar as áreas de conservação: de 17% para 30% das terras; e de 8% para 30% das áreas marinhas. 

Já o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) em seu último Relatório Síntese (AR6), divulgado em 19 de março de 2023, identifica que entramos em emergência climática: a temperatura média da superfície global em 2011–2022 está mais elevada em 1,09ºC do que em 1850–1900, sendo maior na superfície terrestre (1,59ºC) que na superfície dos oceanos (0,88ºC). A contribuição humana para tal elevação foi de 1,07ºC que, em consequência, expôs 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas a viverem em contextos de alta vulnerabilidade por mudança do clima, isto é, expostas a eventos climáticos extremos.  

As tendências no Brasil são igualmente preocupantes. Do ponto de vista da biodiversidade, o referencial é a curva histórica das taxas de , ou seja, alteração e ou destruição dos habitats de variadas espécies.  Segundo o de Monitoramento do Desmatamento (PRODES/INPE) na Legal a tendência é ascendente desde 2017, tendo alcançado 13.235 km2 em 2021, quando fora 10.851 km2 em 2020; e se prevê 11.600 km² em 2022. Já no Cerrado, a curva, também ascendente, atingiu 10.700 km² em 2022 contra 8.150 km² em 2021. A Caatinga relativamente estável em torno dos 2.000 km²; e a Mata Atlântica com leve decréscimo em 2021 (926 km²).  

A curva de emissões de gases de efeito estufa guarda uma relação direta com a curva do desmatamento porque historicamente este setor (Mudança do Uso do Solo e Florestas) tem contribuído com a maior porcentagem das emissões de CO2: 49,04% em 2021. Seguido pelo setor Agropecuária com 24,8% em 2021 (https://plataforma.seeg.eco.br/total_emission). Esses dois setores que compõem o chamado agronegócio, juntos, são responsáveis por 72,8% das emissões totais brasileiras de CO2e em 2021 – uma tendência estrutural da economia brasileira que precisa ser revertida, para que o Brasil cumpra suas metas assumidas no (2015). 

A POLÍTICA AMBIENTAL DO GOVERNO LULA

Corretamente o governo Lula cuidou de recuperar as estruturas da governança ambiental desorganizadas propositalmente pelo governo anterior e, no topo desta, colocar uma pessoa qualificada e respeitada como a Ministra Marina Silva – o que tem facilitado a retomada do protagonismo internacional do país nesta área. A proposta de sediar a COP 30 da Convenção do Clima de 2025 em Belém é uma oportunidade de colocar a Amazônia e o Brasil no centro do debate global. É um desafio enorme, porque até lá há que se inverter a tendência ascendente da curva de desmatamento. 

Contudo, é preocupante o ritmo lento de algumas iniciativas político-administrativas, como a nomeação do presidente do ICMBio e a recomposição do Conama, sendo que, neste último, surpreende negativamente a ampla maioria de representantes do Estado. 

Se o enfrentamento da emergência climática é o ponto principal da política ambiental há que focar pela ordem, primeiro, na redução do desmatamento (CO², dióxido de carbono) e, segundo, na redução do arroto do boi (CH4, metano). Reduzir desmatamento, principalmente na Amazônia, exige medidas de comando e controle tanto nas Terras Indígenas e Unidades de Conservação – como atesta a expulsão de garimpeiros da TT Yanomami; e nas terras particulares e griladas.

A reinstituição do Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e seu equivalente para o Cerrado é necessária, mas seu sucesso depende da capacitação e ampliação dos quadros de fiscalização do IBAMA. Há que ter dotações orçamentárias, além das doações e do Fundo Amazônia.

Contudo, o que mais incomoda este autor e provavelmente a maioria dos ambientalistas é a não compreensão e adoção pelo governo Lula dos conceitos de crise ecológica e transição ecológica. E, o que é mais grave, o não reconhecimento explícito da emergência climática. Parece ignorar os termos do AR6 do IPCC que fala em apenas 8 anos para que reduções efetivas das emissões de CO² barrem a elevação da temperatura superficial global em 1,5ºC. 

Porque, se assim fosse, já teria estabelecido uma estratégia que articule a atuação sinérgica de todas as instituições do Estado com a conscientização (que vai muito além da educação ambiental) e participação da população (que é muito diferente da participação social pelas representações institucionais). É preciso ajustar os tempos e os modos do governo aos tempos e modos da emergência climática. 

gilney amorim

 

Gilney Viana – Escritor. Ambientalista. Membro do Conselho Editorial da Revista XapuriFoto: IBAMA.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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