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Aline Bei: Cantiga

Aline Bei: Cantiga

 

tem um rio que passa na frente da sua casa,

as pessoas vão pra beira ver a cor

da água,

elas nunca enjoam

de ver.

venta muito nos dias mais quentes, quem tem cabelo grande

Prende. a sua mãe

prende. a sua vó.

eu relutaria

até vir a sua mão me fazer um coque sem jeito de quem nunca teve cabelo grande e por isso

que novo.

você pesca descalço. eu fico descalça em casa,

na cidade não

pode furar o pé andar por são Paulo sem sola e eu preciso do meu pé.

as comidas

que você faz são

frescas, uma panela grande pra 12 pessoas reunidas à sua volta.

enquanto a panela ferve você escreve um poema pra Depois, com a fome

não se brinca, as pessoa são rostos famintos

com olhos voltados pro prato que uma hora tem fim: quando acaba

dá saudade.

quem lava a louça é cada um a sua.

seu banho é de noite no rio.

suas roupas são as mesmas há anos. sua vó costurou 6 camisas e te deu. você não pensa que precisa de

7, você lava as camisas e é no rio que você faz isso.

a sujeira da roupa

o rio leva pra deus ver. quando a pessoa morre

deus sabe pela roupa o coração que ela

tinha.

uma vez no amor

você gostou de alguém que não se acostumou com a vida no mato de jeito nenhum.

eu também não me acostumaria se for pensar no meu lado cidade, moro numa rua com 4 árvores,

tinham 8 antes, mas elas morreram pra virar estacionamento, padaria e rua mais larga pra passar caminhão.

antes de eu nascer o mundo era mato.

devastaram pra caber mais bebês porque bebês crescem e ocupam muito espaço depois que crescem.

eu tenho um

lado

que quer quebrar

com tudo o que me é antigo, você me dá

a mão diariamente quando te conto disso.

antes de você voltar pra casa de avião

já que as nossas cidades

são de distâncias graves, eu

te dei tchau do carro, mandei um beijo com os dedos pela janela que você quase não viu, mas

deu tempo de ver e um sorriso largo

da sua boca me alcançou descendo a rua que eu não sei o nome

porque passei por lá só daquela vez, pra te

deixar. na cidade que eu moro isso se chama carona. na sua chamaria

canoa.

depois que você foi embora

São Paulo fechou algumas flores que viraram fábrica e a culpa

não é sua.

se você estivesse aqui, as flores teriam fechado

exatamente do mesmo

jeito, acontece que na sua Ausência

eu percebo mais.

Fonte: Livre Opinião

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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