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Amazônia, Cerrado e Deserto

Amazônia, e Deserto

Recentemente, têm sido divulgadas informações de que o aumento gradual de temperatura na faixa tropical da provocará secas na região amazônica e de que esta se transformará num cerrado. A informação quanto ao clima pode até ser verdadeira, porém, no que se refere à transformação da floresta úmida equatorial amazônica em cerrado, é falsa.

Altair Sales Barbosa 

O aumento da temperatura na Amazônia, com diminuição da umidade, provocará lentamente a morte da floresta úmida e fará com que a região volte a ser um grande deserto arenoso, como já aconteceu em sua história evolutiva recente durante o Pleistoceno até início do Holoceno, ou seja, de 2 milhões de anos até 11 mil anos Antes do Presente (AP).

Na realidade, uma gama de estudos em diversos campos da atestam que durante o último período glacial, denominado Wisconsin na América do Norte, notadamente a partir de 20 mil anos atrás, existia na Amazônia, principalmente nas chamadas terras baixas, um grande deserto arenoso denominado Deserto de Óbidos, que se unia a outro grande deserto situado mais para oeste e que abrangia todo o vale que hoje corresponde ao .

Isso aconteceu porque houve uma diminuição da umidade na Amazônia, provocada pelas modificações das correntes aéreas, que dependiam das movimentações das correntes marinhas, alteradas pela ação da glaciação citada.

Naquela época, em ilhas específicas situadas nos baixos chapadões da Amazônia, existiam manchas significativas de cerrado, conforme atestam os estudos de palinologia (ciência que estuda os pólens fósseis). Essas manchas eram prolongamento da grande área de cerrado já existente no centro da América do Sul, que desapareceu numa época muito recente, em função do fenômeno da coalescência, que é a expansão da floresta equatorial, provocada pelas e de solo, decorrentes do final do período glacial.

A floresta amazônica, tal qual como a conhecemos atualmente, é um fenômeno recentíssimo dentro da história da Terra e só foi viável em função principalmente das condições edáficas (solos). Nesse sentido, os pesquisadores da pedologia (ciência que estuda os solos) relatam que a maior parte dos solos hoje existentes na área do Bioma Amazônico é incompatível com uma longa estabilidade da floresta, por serem solos muito jovens, com alta taxa de reposição, dotados de características especiais, indicando de vegetação, ou vegetação muito rala num passado não tão distante.

Por outro lado, o Cerrado é um tipo de ambiente muito antigo que já atingiu seu apogeu evolutivo, composto por formas vegetacionais associadas a modelos específicos de solos e umidade, cuja adaptação exigiu um período de tempo calculado em milhões de anos. É um ambiente em que qualquer tipo de desequilíbrio provocado na sua estrutura poderá promover sua extinção.

Por isto é que se afirma que um cerrado degradado, jamais voltará a ser cerrado. Sua vegetação não é xerófita, logo estará na dependência de um clima subúmido: a condição climática que determina este bioma é a mesma responsável pelo aparecimento de manchas de florestas subúmidas em solos de boa fertilidade natural.

Uma vez satisfeita a condição climática, o cerrado aparecerá ou não, na dependência de fatores edáficos, de ordem nutricional. As diferenças de regime hídrico e térmico em certos limites não implicam modificações sensíveis na sua fisionomia.

Folhas enormes, que em muitas plantas de cerrado apresentam ausência de sinais de murchamento, mesmo no auge da , e a floração e brotação abundantes antes das chuvas contradizem a noção geral de que a existência do Cerrado seja devido à escassez de água. Vários estudos destacam a grande profundidade dos solos do Cerrado, abundância de água nesses solos; profundidade considerável dos sistemas radiculares das plantas do Cerrado.

Portanto, presenças frequentes de estruturas xeromorfas nessa vegetação, como estômatos em depressões, epidermes revestidas por cutículas espessas e camadas cuticulares ou recobertas por numerosos pelos ou escamas, presença de hipoderme e parênquimas incolores, células pétreas e esclerênquimas bem desenvolvidas, correlacionadas com condições xéricas, devem ser associadas a questões evolutivas.

A grande maioria das plantas do Cerrado transpira livremente e com altos valores, mesmo nos períodos de secas mais pronunciadas. Elas mostram, quase sem exceção, estômatos abertos durante todo o dia, mesmo durante a seca. Também é comum encontrá-los abertos à noite.

Em geral, as reações estomáticas das plantas do Cerrado são lentas. O fechamento total das fendas estomáticas, quando se faz cessar o suprimento hídrico arrancando a folha da planta, pode consumar em uma hora ou mais e, às vezes, nunca se completa inteiramente.

A transpiração cuticular é frequentemente muito elevada, embora as cutículas e suas camadas sejam espessas. Os déficits de satisfação das folhas são baixos, em geral, mesmo em época seca. O valor mais alto encontrado é da ordem de 5% do conteúdo máximo de água. Em contraste, por exemplo, com as plantas da , do trópico semiárido, em cujo ambiente tanto árvores como arbustos têm reações estomáticas muito rápidas, reduzindo mais de 50% do valor inicial de sua transpiração em apenas dois minutos após cessar o suprimento de água e completa o fechamento estomático em cinco minutos.

Estes poucos dados apresentados demonstram a complexidade dos processos adaptativos pelos quais passaram o Cerrado. Processos estes que exigiriam longos períodos de tempo geológico calculados em milhões de anos.

Portanto, para que uma floresta equatorial, semelhante à Amazônica, com a história evolutiva que tem, possa se transformar em cerrado, seriam necessários alguns milhões de anos. Teria que haver algumas condições vitais, tais como: clima subúmido de temperatura amena e com significativa amplitude térmica entre o dia e a noite e tipos específicos de solo.

Se fossem originadas essas condições, que não são fáceis de serem concretizadas, porque nem sempre existe a rocha matriz e suas interações milenares, para a formação dos solos (somente para citar um exemplo), possivelmente poderia ocorrer a migração de algumas espécies de plantas de cerrado para a nova área que seria formada.

Uma área de Cerrado degradada, jamais tornará a vir a ser Cerrado com toda sua . Alterando as condições de solo para melhor, através de correções até uma floresta pode-se criar no local, cerrado nunca mais. À primeira vista, este novo ambiente vistoso parece ser até mais encantador, mas se penetrarmos além das aparências, perceberemos que ecologicamente o prejuízo será enorme e irreversível.

A começar pela recarga dos aquíferos, que não será mais a mesma, em função do complexo sistema radicular que caracteriza as plantas do Cerrado e que retém cerca de 70% das águas das chuvas. O sequestro de da atmosfera também será afetado.

Portanto, se os efeitos globais de mudança ambiental caminharem no sentido que apontam os estudos climatológicos, é bem provável que as antigas dunas de areias depositadas na Amazônia durante o Pleistoceno voltem a ficar expostas sem a vegetação, que morreu pelo aumento da temperatura e pela falta de umidade.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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