ANGELA DAVIS: “A LIBERDADE É UMA LUTA CONSTANTE”
Por Iêda Vilas-Boas
A vida em suas sinuosas curvas sempre escolhe pessoas fortes, resolutas, inteligentes para que possam aguentar as turbulências necessárias às mudanças. São caminhos e rumos difíceis, mais longos, acidentados e, por vezes, quase impossíveis de serem trilhados.
A vida escolheu uma negra, mulher, ativista, marxista e feminista para lutar por um mundo mais justo, igual, humano e solidário. Assim foi, tem sido e é com Angela Yvonne Davis.
Nasceu ela em 26 de janeiro de 1944 em Birmingham, Alabama, EUA. Este estado era um dos mais racistas do sul dos Estados Unidos. Vigorava nessa época a cruel e poderosa KKK – Ku-Klux-Klan, que tinha por preceito perseguir, linchar, violentar e matar qualquer negro que tivesse o azar de passar pela frente da organização civil.
Desde criança, sofreu todos os traumas de viver em uma cidade segregada. Seu bairro era palco da monstruosa tradição de explodirem casas de famílias e igrejas, muitos desses locais com pessoas dentro.
Angela Davis, lutadora, ativista e professora sabe o que diz quando fala sobre o racismo e suas consequências, o extremismo conservador, o machismo e sobre a desigualdade social. Desde os catorze anos assumiu a luta e tornou-se figura símbolo da causa negra na década de 1960 nos EUA. Continua firme no posto de timoneira frente à resistência e luta do povo preto e das minorias. Sua voz sintetiza o lugar de fala dos excluídos:
“Nós representamos as poderosas forças de mudança que estão determinadas a impedir que as moribundas culturas do racismo e do patriarcado heterossexual se ergam novamente”.
Indignada com a morte de suas amigas na igreja de seu bairro, em 1963, ainda adolescente organizou grupos de estudo inter-raciais. Não demorou muito para que esses estudos fossem perseguidos e proibidos pela polícia.
A jovenzinha inteligente viu que ali não era seu lugar e com a coragem e a determinação que regem os bravos e vencedores migrou para o norte dos EUA. Foi viver no centro alternativo da cultura americana: Greenwich Village, no coração de Manhattan, que era o epicentro do movimento de contracultura da cidade na década de 1960.
Essa coisa de que as energias equivalentes do universo se atraem vale bem para o encontro de Angela, que foi estudar filosofia na universidade de Brandeis, no estado de Massachusetts, com o professor Herbert Marcuse, o pai da “nova esquerda” americana, advogado de causas em favor dos direitos civis, do movimento gay e da desigualdade de gêneros, entre outras causas sociais.
Angela Davis representava uma ameaça ao status quo masculino e branco: era mulher, negra, inteligente, altiva, carismática, envolvente, segura, orgulhosa de seu povo e de sua cor.
Tais atributos eram afronta e desafio ao sistema opressor vigente. Tais atitudes não podiam ficar impunes e, em 1969, foi demitida do cargo de professora de filosofia da Universidade da Califórnia. O motivo era sua associação com o partido comunista americano e com os Panteras Negras.
A década de 1970 inicia juntamente com uma perseguição a Angela. Ela foi colocada na lista dos 10 criminosos mais perigosos do país. Nesse período, foi condenada e presa, sem provas, num espetáculo racista, machista e homofóbico para o mundo ver.
Sua militância e ativismo passam a abranger a luta por reformas no sistema prisional e contra aprisionamentos injustos. Foi acusada de comprar armas para um dos réus negros que defendia no caso que levou os três réus negros e o juiz branco à morte. Ela foi tratada como uma terrorista de alta periculosidade, condenada e confinada em 1971.
Mas Angela já tinha feito sua história e tinha fãs e adeptos às suas causas. Sua prisão causou enorme reação popular. Centenas de comitês pela sua libertação e um verdadeiro movimento cultural foram criados por todo o país.
Cantores como John Lennon, Yoko Ono e Rolling Stones homenagearam Angela com suas canções. Finalmente, em 1972, depois de um ano e meio de encarceramento, a ativista foi liberada e declarada inocente.
Depois de sua prisão e soltura, Angela se tornou uma famosa e destacada professora de história, estudos étnicos, estudos femininos e história da consciência em diversas das maiores universidades dos EUA e do mundo. Entretanto, a militância e a política eram pautas constantes em suas diversas atividades.
Desde os anos 1970 até hoje, sua voz ecoa contra o sistema carcerário americano, contra a guerra do Vietnã, todas as guerras, o racismo, a desigualdade de gêneros, o sexismo, a pena de morte, e grita total apoio à causa feminista e ao LGBTQI e todas as minorias.
Angela continua presente nas lutas e em constante resistência. Foi ela que conduziu a Marcha das Mulheres, um dia após a posse do novo presidente dos EUA, Donald Trump, que levou 3 milhões de mulheres às ruas contra o retrocesso das políticas de caráter racista, xenofóbico e autoritário do presidente eleito.
Angela Davis segue lutando com suas armas e crenças, só que agora já não luta só: ao seu lado segue uma legião de brancos, negros, amarelos, multicolores, seguindo seu brado e pelejando também por suas causas.
Davis, no auge de seus 75 anos, esteve recentemente (outubro de 2019) em São Paulo e no Rio de janeiro, participando de um ciclo de debates e palestras. Realizou a conferência “A liberdade é uma luta constante” no encerramento do seminário internacional “Democracia em Colapso?”.
Também, lançou um livro de Autobiografia pela Editora Boitempo. Sorte dos que a puderam ver e tiveram o privilégio de ouvi-la ao vivo; e sorte de todos nós, pela graça da atuação das mídias que nos possibilitaram acompanhar sua visita e permitem que possamos rever as gravações, para que não nos esqueçamos de quem foi e é Angela Davis. Salve!
Iêda Vilas-Bôas – Escritora. Professora. Presidente da ALANEG-RIDE e Revisora de Textos
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