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Carta aberta para Miraildes

Carta aberta para Miraildes: uma das maiores jogadoras que o já viu em campo

Aos 43 anos, a jogadora Formiga se aposenta, mas deixa um legado de no futebol

Por Polyanna Gomes/Brasil de Fato
Miraildes,
Começo te chamando por um substantivo feminino que significa “conjunto de todas as partes constituintes; uma totalidade; toda”. Assim foi a Formiga que nasceu organizando um gramado inteiro, um conjunto, sendo essa parte constituinte indispensável na do futebol feminino. 
Eu escrevo isso um tanto destruída, buscando no fundo da passagens fortes de sua grande história dentro do futebol. E por que não lembro muita coisa, Miraildes? Por que na minha memória tenho que esmagar alguns neurônios para recordar de tua magnífica trajetória? Se eu posso lembrar de um gol de Pelé que nunca vi em campo, por que não lembrar dos seus que esteve presente no gramado até agora? 
Porque nos tornaram invisíveis até para nós mesmas, Miraildes. Perceberam que não podia enxergar outra mulher existindo; eles sempre tiveram medo da revolução que isso podia causar. E causou, e continua acontecendo e se perpetuará. 
Aqui eu posso chafurdar toda a lama que nós somos jogadas todos os dias, posso sim escancarar passo a passo, artigo a artigo, palavra por palavra do quanto precisamos trabalhar diariamente, incansavelmente para que o nosso lado da arquibancada, do gramado e da vida não seja apagado. Quiseram nos tornar invisíveis, mas não contavam com a força de um subsolo organizado, cheio de fôlego e coragem de vencer. As formigas trabalharam aos montes cada uma em seu espaço para que colônias inteiras se erguessem mundo afora. 
Li a tua carta de despedida aos prantos, entorpecida pela tua garra, envergonhada do meu privilégio, mas lado a lado na tua luta como mulher, irmanada na tua resistência nordestina. “Me despeço na certeza de que nenhuma menina vai precisar sofrer o que sofri para jogar bola”, você afirmou sobre sua despedida. Ainda vejo um caminho longo, minha íntegra, mas também vejo um forte legado, uma colônia de formigas resistentes e persistentes frente às pragas do preconceito, a grama alta e espinhenta do estrutural e o solo árido do machismo (também) estrutural.
São 233 partidas, 7 Olimpíadas, 2 medalhas de prata, 7 Mundiais, 3 vezes campeã em jogos pan americanos; São 26 anos vestindo a camisa da Seleção Feminina Brasileira, provando, afirmando e reafirmando seu lugar, seu espaço, quem você é. Única! Única pessoa do mundo a participar em 7 Copas do Mundo de Futebol. Íntegra! 
Assim como uma Formiga você preparou solos, espaços, terrenos para que outras pudessem ocupar. E olhe que odeio usar esse padrão, esses termos de que sua existência foi necessária para oxigenar o solo esportivo do futebol feminino, mas assim aconteceu. Enquanto as meninas sonhavam e pensavam em um dia percorrer tais lugares, você se jogava na marcação do meio campo da vida, enfrentava quem quer que fosse, trombava, entrava de sola, se posicionava como podia diante de uma dominação masculina tóxica e impositiva. 
Miraildes é mulher, negra, nordestina, lésbica, uma das maiores jogadoras de futebol do Brasil e do Mundo. Uma formiga que com seu número 8 tatuado nas costas criou um infinito vertical, uma linhagem de colônias de outras formigas que rompem a barreira desse subsolo, que saem do lado apagado do gramado, que gritam alto de um arquibancada isolada, que acendem as luzes, que mostram o rosto, que aparecem!  Verdadeiras mulheres que constroem grandes ninhos, espaços, outros infinitos. 
Quando a Rainha se aposenta, as formigas que a seguem entendem que o é maior do que elas podiam ver. Enxergam o caminho, descobrem os altos e baixos, compreendem a dimensão de tudo aquilo, de uma luta exaustiva para existir. Aos 43 anos, você, nossa Formiga Rainha, gritou aos gramados amazonenses “ A hora de colher está mais próxima do que vocês imaginam. A semente que eu e outras companheiras plantamos vai render frutos para além dos gramados”. Íntegra, viva, uma volante infinita, que marcou e defendeu um futuro para que outras tantas formigas pudessem correr livres pelos gramados da vida. 
Obrigada por tudo, Miraildes!
Íntegra entre tantas, íntegra para muitas, íntegra por todas!  
*Com trechos da entrevista concedida para o The Players’ Tribune*

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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