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AS DAMAS DA BOLA

As damas da bola

O bom de trabalhar por esse imenso mosaico de realidades amazônicas é descobrir nas comunidades projetos lindos, protagonizados por mulheres da floresta, como “As Damas da Bola”, que conheci durante o lançamento da campanha colaborativa por justiça climática – “FLORESTA EM PÉ TEM MULHER” –, iniciativa da Oxfam Brasil, Conselho Nacional das Populações Extrativista e Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas.

Por Edel Moraes

 Logo depois dos Diálogos Amazônicos, realizados em Belém entre os dias 4 e 6 de agosto, me desloquei, no dia 7, para o Território Quilombola Itacoã Miri, no município de Acará, estado do Pará, para conhecer, conversar e ouvir as demandas das mulheres quilombolas, extrativistas e quebradeiras de coco.

Fui a Itacoã Miri para dialogar sobre a luta dessas mulheres protagonistas na defesa da floresta neste nosso contexto de extrema emergência climática, social e ambiental. De lá voltei com essa experiência incrível das “Damas da Bola”. 

UMA SOCIEDADE DE MULHERES DA FLORESTA

O grupo de mulheres da floresta conhecido como “As Damas da Bola” é uma associação informal de mulheres que se organiza a partir de um colegiado coordenado por seis mulheres quilombolas: Adria Rosário, Eliete Maria, Ellen Taiany, Gessica Galiza, Isabela Telles e Sheila de Nazaré. 

Essa Sociedade de Mulheres organiza um time de futebol com 25 integrantes: Adria Rosário, Adriana Gonçalves, Alessandra Nascimento, Camily Belém, Deise Cristina, Ecilane Barros, Edineia Monteiro, Eduarda Nascimento, Elaine Barros, Eliete Maria, Ellen Araújo, Flavia Cunha, Gessica Nascimento, Gleyciane Correa, Izabela Araújo, Josiane Belém, Juliana Lobato, Leticia Belém, Lilian Rose, Michely Araújo, Priscila Belém, Raquel Holles, Roberta Menezes, Samira Silva e Vita Nascimento. 

Em memória de suas ancestrais, que um dia também fizeram um time de futebol feminino, mas não puderam mantê-lo, por falta de apoio e de condições econômicas, as “Damas da Bola” entram em campo carregando no peito o nome usado por suas antecessoras, “Monte Serrat”, em homenagem a Nossa Senhora de Monte Serrat, padroeira da comunidade. 

Entretanto, foi por iniciativa das mulheres dessa nova geração, cujo slogan é “Não temos titulares, todas são consideradas”, que as mulheres de Itacoã Miri voltaram a fazer da bola instrumento de força feminina, sororidade, fortalecimento e organização comunitária.  

A CESTA QUE FAZ A BOLA ROLAR

Manter uma sociedade de mulheres voltada para o futebol feminino em um quilombo amazônico é, acima de tudo, um ato de resistência que exige imensos desafios. 

Um deles, diz uma das participantes, consiste em conciliar as responsabilidades individuais de cada mulher com a participação coletiva nos torneios. “A gente só consegue no espírito da solidariedade e com muita corresponsabilidade”, explica a companheira.

Para “fazer a bola rolar”, as mulheres usam a estratégia da cesta básica.  Começam por organizar uma lista dos produtos de uma cesta básica, depois sorteiam entre elas quem fica responsável por cada produto. 

Composta, a cesta vira prêmio de rifa ou bingo na comunidade. O lucro é revertido para as despesas mais urgentes: a compra de uma bola, de um apito, ou o aluguel de um ônibus, por exemplo. 

Para todas, com frequência falta um par de chuteiras; para o time, é sempre muito difícil conseguir um jogo de camisas, e isso também vem do esforço coletivo das próprias mulheres, que não contam com o apoio do time masculino, nem tem patrocínios, conforme explicam. 

Mas os desafios das “Damas da Bola” não são só financeiros: mulheres jovens, mães de crianças pequenas, a maioria delas não tem quem cuide de seus filhos e filhas para que possam treinar. “É uma dificuldade, porque nossos maridos não querem ficar com as crianças pra gente treinar, então elas ficam por aqui, na beira do campo, ou correndo para o meio do ramal”, diz outra companheira. 

Mesmo assim, o futebol feminino das mulheres da floresta viceja porque, segundo me contaram com entusiasmo, “onde tem floresta, tem mulher; onde tem mulher, tem vida, tem identidade territorial e tem futebol feminino!”.

Edel MoraesEdel MoraesParaense da Ilha do Marajó. Secretária das Populações Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável no Ministério do Meio Ambiente (MMA). Conselheira da Revista Xapuri

 
 
 
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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