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AS FERAS DO BOCÃO: DOIS MITOS KALUNGA

AS FERAS DO BOCÃO: DOIS MITOS KALUNGA

As  feras do Bocão: Dois mitos

Contam os mais velhos da comunidade Kalunga que, no rio Paranã, em um lugar espaçoso com muita água, peixes e outros animais, chamado Bocão, existiam duas feras, uma chamada Minhocão e a outra, Rodetão.

Por Bia Kalunga

Minhocão era uma cobra sicuri que cresceu e virou uma grande fera. Já o Rodetão foi gerado de uma arraia que cresceu tanto, tanto, que virou um bicho grande, redondo e achatado.

Vivendo no fundo do rio, as feras sempre mantinham contato uma com a outra. Como Minhocão tinha mais facilidade para se movimentar, sempre se deslocava do seu cantinho para visitar o Rodetão, que não se movia do seu lugar por ser muito pesada e grande.

Na beira do Bocão havia uma estrada por onde os moradores circulavam na comunidade. Certo dia, um homem chamado João por lá passava e, de repente, avistou no meio do rio dois bichos estranhos boiados, pegando sol.

Embora assustado e com muito medo, João se aproximou para ver o que era. O que viu foram dois bichos estranhos e assustadores. João então saiu correndo e foi chamar o vizinho, que estava na roça próxima daquele local.

Chegando ao Bocão, os vizinhos não mais encontraram as feras que, depois se soube, sempre somem na água quando aparece gente.

Mesmo assim, a notícia se espalhou, e a comunidade ficou muito preocupada com mais essa assombração que vinha se juntar às outras, frequentes em aparições na estrada do Bocão tanto de dia quanto de noite, por ser um lugar com muitas árvores, fechado, sombrio.

Assim, desde então, aquela quebrada do Paranã passou a causar muito susto no povo Kalunga. Quando os moradores do Riachão iam pescar, ficavam sempre em silêncio para não incomodar o Minhocão e o Rodetão.

Com o passar do tempo, a água do rio Paranã foi diminuindo e hoje as feras não aparecem mais, mas sua continua a povoar o imaginário do povo Kalunga.

Bia Kalunga – Lourdes Fernandes de Souza –  Educadora, escritora, e líder comunitária da Comunidade Kalunga Riachão, Goiás.

AS FERAS DO BOCÃO: DOIS MITOS KALUNGA
Sergio Amaral/MDS

COMUNIDADE DO SÍTIO HISTÓRICO KALUNGA 

Na língua banto, de origem africana, Kalunga significa lugar sagrado, de proteção. No sentido dado pelos moradores do Sítio Histórico, significa “lugar sagrado que não pode pertencer a uma só pessoa ou família”, ou “lugar onde nunca , arável, sendo bom para as horas de dificuldade”. A terra começou a ser habitada em meados do século XVIII, quando africanos escravizados fugiram em busca de liberdade.

Era o período de colonização da região de Goiás em busca do ouro e da garimpagem, em que, além das populações nativas e indígenas, africanos foram escravizados como mão de obra barata. Em busca de libertação, estes escravos fugiram e criaram seu quilombo em uma terra de difícil acesso, com serras, vãos e rios; distante dos parentes e amigos que ficaram para trás.

Os Kalunga representam um povo que se escondeu e luta, há mais de 300 anos, por sua comunidade, pela liberdade e sobrevivência. 

O quilombo Kalunga ocupa 237 mil hectares e abriga mais de 4.500 pessoas. São quatro núcleos principais de população: Contenda, Vão de Almas, Vão do Moleque e Ribeirão de Bois, que ficam nos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás, na Chapada dos Veadeiros. Esse núcleos são formados por pequenos povoados como Engenho, Diadema, Riachão, Ema, entre outros. No entanto, mesmo com esta divisão, é difícil visualizar o habitat da população.

As festas populares dos Kalunga são sua marca registrada. A forte religiosidade do povo é demonstrada por meio dos festejos em aos santos de cada época. As festas são a caracterização genuína da popular, em que o sagrado e o profano se misturam.

Rezas e a dança da Sussa, o tradicional Levantamento do mastro do Divino e a mesa cheia de comidas e bebidas para a Festa do Império Kalunga, com a coroação do imperador e da rainha.

Mais do que comemoração religiosa, as festas têm um papel social. É nessas festas que parentes se reencontram, crianças são batizadas, são realizados casamentos, reivindicações são ouvidas por representantes políticos, etc.

Quando reunidos, a nação Kalunga mostra ainda mais sua humildade, sua alegria e o valor de se preservar as tradições. Sempre dispostos para o e para o festejo, os Kalunga não veêm tempo ruim.

Um exemplo da brasilidade mais genuína, que mais do que qualquer outra necessidade, requer respeito.


Sussa

Dança tradicional Kalunga, a Sussa nascida de tradições africanas, reflete toda a alegria desse povo. Com um ritmo marcado pelo som da viola, do pandeiro, da sanfona e da caixa (espécie de tambor), é uma tradição que envolve toda a comunidade através da e da dança, caracterizada por giros em que as equilibram garrafas de cachaça sobre a cabeça.

A Sussa faz referência à dança sagrada de pagamento de promessas, geralmente feita em pedido de prosperidade da lavoura.

As festas Kalunga, representadas pelos tambores da Sussa, apresentam ritos complexos, com simbolismos peculiares, como o reinado do Imperador, a coroa, a corte em procissão, o mastro, as bandeiras, as espadas, o terço com as ladainhas das rezadeiras, os foguetes e alguns motivos folclórico-emblemáticos.

Em um sentido mais amplo ou uma releitura, as festas dos Kalunga correspondem à folia de santos católicos.


Bolé

O Bolé é uma dança voltada para as crianças da Comunidade do Sítio Histórico Kalunga. Dançada em pares, a manifestação chegou a se perder da tradição Kalunga. Zezinho, da Comunidade do Vão das Almas, aprendeu a dança com os avós e iniciou o trabalho de resgate cultural junto às crianças. Embalados pelo pandeiro, sanfona e caixa, o grupo faz uma grande roda e uma dança de ritmo acelerado, com muitos giros.  

Fonte: ECONTROTECA 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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