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As Paixões 2

As Paixões 2

Por Giselle Mathias

Percebi em mim que os medos criaram fantasias e escureceram minha visão sobre o que acontecia, minha ânsia em não ser mais encarcerada ou ser apenas um território conquistado e colonizado turvaram meus pensamentos e atitudes, porque simplesmente não poderia viver novamente como uma ave de asas cortadas…

Cega pelo pânico e traumas acreditava em todos os padrões que até então estavam presentes em mim, mas dessa vez desejei inverter os papéis, mesmo que eles não estivessem postos diante daquele sentimento. O Avassalador, apesar do quanto eu me colocava como alguém quase que inatingível, sempre era gentil, mostrava-me a todo o momento o sentimento que sentira e o quanto desejava a junção entre nós.

Pacientemente, compreendia o meu momento e acredito que percebera as minhas contradições e como eu vacilava apesar de toda a paixão, e quem sabe o que já estava instalado dentro de mim. Conversávamos, ouvia-o dizer o quanto desejava o encontro, como pensava em mim e o quanto se sentia desconcentrado porque sempre lembrava do dia em que nos conhecemos, o meu cheiro que ele insistia em afirmar, que apesar da distância e do perfume que usava, a ele foi possível sentir e estava gravado em sua .

Eu apenas sorria! Correspondia de forma tímida e desconfiada as suas falas, sempre com muito receio me aproximava, mas tentava manter algum controle sobre as minhas emoções e não deixar transparecer toda a paixão que sentia.

Não sei se acredito em algo divino, no destino, no universo ou nas energias, mas inúmeras vezes quando uma leve brisa batia eu sentia o seu cheiro, como se ele estivesse ao meu lado, apesar de ainda não termos nos tocado, minha memória havia gravado o perfume que o seu exalava no dia em que nos conhecemos, e cada vez que lembrava daquele aroma, desejava e ansiava pelo beijo que ficara na promessa para o próximo encontro.

Porém, não tive a coragem de dizer-lhe como realmente me sentia; tentava controlar aquele sentimento, achava que era ilusão, uma carência minha, não poderia ser real. ED ria de mim, dizia que eu só estava apaixonada, não era para ter medo, o Avassalador demonstrava todo o seu desejo, e aquela sensação não era só minha, estávamos os dois apaixonados.

Após algumas semanas nos encontramos, estávamos com amigos, sentamo-nos todos juntos, parecíamos tão sintonizados que até as de nossas roupas eram iguais, o que foi motivo de observação e brincadeiras. A noite foi muito agradável, nos divertimos e conversamos muito. Na hora de irmos embora ele se aproximou e disse que precisava de uma carona, pois tinha deixado seu carro em casa, queria estar a sós comigo. Dei um leve sorriso e lhe disse que queria o mesmo.

Fomos até meu carro e entramos, olhei para o lado e ele me olhava atentamente, sorrindo aproximou-se e levemente me beijou, nos abraçamos com tanta força como se quiséssemos naquele momento juntar nossos corpos em um só, era incontrolável a vontade de união. Naquele dia fomos para o seu apartamento, e a junção de nossas peles, cheiros, sabores e sentimentos se concretizaram, nos tocávamos com tanto desejo, que senti, no encontro de nossos corpos, o quão sublime foi aquele instante, tanto que transcendia nossa matéria corpórea e era quase como se estivéssemos fazendo uma oração.

O café da manhã foi maravilhoso; acordar ao lado dele, ver seu rosto sonolento e o sorriso em seus lábios me contemplou; conversamos enquanto eu tomava um café; parecia como se estivéssemos juntos há anos. Olhava para ele e não conseguia pensar em mais nada, apenas admirar cada palavra dita, cada gesto, o brilho nos olhos e até mesmo o bocejo que dava porque ainda estava cansado.

Estava na hora de ir embora, precisava ir para o consultório, tinha uma paciente no fim da manhã. Nos despedimos, entrei no carro e fui para casa; quando cheguei já havia uma mensagem dele me dizendo para ter um bom dia e que ao final da tarde iria a minha casa para que pudéssemos matar a saudade que já deixara quando parti. Andei nas nuvens o dia todo, não conseguia me concentrar em nada, o cheiro dele estava presente em mim, minha mente voltava a todo instante ao momento em que nos unimos.

Olhava o a cada minuto, ansiosa para chegar o horário em que novamente iriamos nos conjugar e comungar nossos corpos. Não preciso dizer o quanto foi maravilhoso estarmos juntos novamente. Os dias se passaram e a intensidade da minha paixão aumentava absurdamente, mas infelizmente o pânico de repetir o passado me atormentava, porém dessa vez sentia que eu me aprisionava, não era algo dele; o encarceramento partia de mim, a confusão se instalava e a paixão se misturava a dor da possibilidade de voltar a cumprir a pena de prisão. Não conseguia ver que talvez ali não existiriam as celas, gaiolas ou tesouras que de alguma forma podariam as minhas asas.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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