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As pessoas não morrem, ficam encantadas...

As pessoas não morrem, ficam encantadas…

As pessoas não morrem, ficam encantadas…

“As pessoas não morrem, ficam encantadas…

a gente morre é para provar que viveu.”

Guimarães Rosa

Por Zezé Maria, Maria Martha, Maria Lúcia, Sílvia Maria e Luiz Otávio

 

PARA MARIEDA

Querida Hermana,

Só mesmo essa sua irresistível paixão pelo encanto pode, de alguma forma, explicar sua decisão radical de desembarcar do espaço físico deste mundo nos minutos finais do último dia 8 de abril.

Só mesmo esse seu indomável desejo cósmico por bordar imaginárias constelações de luz em algum jardim distante, fincado nos indecifráveis mistérios do infinito, consegue nos dar algum alento ante essa dor insuportável dos impensáveis rituais de despedida.

Estrela-maior aqui na Terra, você optou por ancestralizar-se – ao seu jeito e no seu – para transmutar-se em “amapari”, daqui por diante estrela-guia a iluminar os corações e mentes de quem, como nós, suas irmãs Marias e seu irmão Luiz, vai sempre amar você.

 

IEDINHA

Você nasceu miúda, gorducha e, orgulho seu e nosso, “pretinha” como a bisa Ilídia, no começo de uma manhã serena de quinta-feira, no dia 17 de outubro de 1963. Era primavera e o Brasil vivia sob os auspícios da “democracia de massas” do governo progressista de João Goulart.

Quase rapa do tacho da farta barrigada (como você dizia) de dona Odete (Dondete) e Sô Vico, você foi a sexta e última das Marias. Depois de você, a única a nascer na cidade, em hospital e por mãos de médico, só veio mais uma cria, nosso irmão Luiz Otávio.

Do Hospital da cidadezinha mineira de Campina Verde você veio direto, ainda uma bebê sem nome, para aquela nossa casinha camponesa, na Fazenda Aldeia dos Índios, banhada pelo Rio Grande, no município de São Francisco de Sales, no Triângulo Mineiro, na divisa com Riolândia, estado de São Paulo.

Na roça, nossa mãe e nosso pai ouviam rádio e, por conta das notícias do rádio, quiseram que você se chamasse Norma Maria ou Iêda Maria, mais uma Maria, para juntar-se às outras cinco Marias de Odete e Vico. 

Autodidata, bem-informada e amante das artes, mamãe escolheu homenagear Norma Bengell, primeira atriz brasileira a exibir um nu frontal no cinema nacional, no filme “Os Cafajestes”, de Ruy Guerra, no ano de 1962. Mamãe já te antevia na vanguarda, hermana!

Papai, ao contrário, não gostou muito dessa , registrou você como Iêda Maria, em deferência à beleza da gaúcha Iêda Maria Vargas, coroada Miss Universo meses antes de você nascer, em julho de 1963. Você cresceu Iedinha, que é como papai sempre te chamou, enquanto viveu neste mundo.  

 

MEUS OITO ANOS

 

O nome, mamãe não mais contestou.  Mas também não desistiu de fazer de você uma mulher culta e das artes. Nos seus dois anos, enquanto te enchia de chá de sabugueiro para curar um “sarampo recolhido” que quase te matou, acalmava você declamando os poemas de seus poetas preferidos: Luiz Otávio, Castro Alves e Casimiro de Abreu.

Foi assim, hermana, que, enquanto aprendia a falar, você já declamava seus primeiros versos. Aos cinco anos, no jardim de infância, você já era um fenômeno, recitava de cor e salteado longas quadras do Navio Negreiro, de Castro Alves.

Em 1965, nossa família se mudou para Riolândia, na outra margem do Rio Grande, para que as Marias pudessem estudar. Lá, você fez sua primeira escolha literária, antes de completar os sete anos: resolveu se especializar no Meus Oito Anos, de Casimiro de Abreu.

Apaixonado por seu talento precoce, papai entrou na onda. Uma bela tarde, Sô Vico alugou o cinema da pequena cidade, chamou a meninada, convocou a família, mobilizou a vizinhança, formou plateia, organizou o espetáculo.

Mamãe te vestiu toda de vermelho, costurou roupa de Carmen Miranda, com turbante e tudo. Cuidadosa, Dondete montou retaguarda, escreveu os versos em uma folha de papel, colocou Zezé na coxia, para o caso de a emoção da ribalta trair a memória daquele pingo de gente.

No calor da hora, de pé em um tamborete no centro do tablado, cada vez mais aplaudida, a menininha acabou se esquecendo de uns quantos versos. Ansiosa, você olhava para a cortina em busca do socorro que não vinha (Zezé tinha esquecido a cola em casa).  

Problema não, você se virou do seu jeito, seguiu declamando os versos que lembrava, sufocada pelas palmas. Estava feito o show, Sô Vico e Dondete ecoavam o sentimento de uma comunidade inteira: eram só orgulho. Dali pra frente, seria um brilho só!

 

 FORMOSA

Hermana, você era bem pequena, nem havia completado seus oito anos, quando viemos para Formosa, no ano de 1971. Bem rápido, você arrumou montões de amizades, muitas delas seguiram por toda a sua , e por aqui você foi construindo sua cerratense, foi se agitando, ajeitando e contestando, que isso era bem seu.

Aluna brilhante, destaque na , convincente como ninguém, aos 13 anos deu um jeito de as freiras empregarem você na biblioteca do Colégio São José, uma das melhores e mais completas da cidade. “Foi o meu jeito de mergulhar nos livros ganhando uns trocados”, você contava rindo, quando, do nada, baixava o seu santo contador de causos.  

Mas foi no Colégio Sagrados Corações (Coleginho) que você se formou professora e descobriu, pelo incentivo da Irmã Olga, a incrível Cora Coralina, seu objeto de estudo, sua grande paixão literária. Espírito inquieto, foi ainda nos tempos de colégio que você inventou de aprender a benzer para, como você sempre dizia, aplacar as dores da alma de quem já não sabia mais pra onde correr. 

 Foi também em Formosa que você construiu sua brilhante jornada de militante antirracista, anti-homofóbica, ambientalista, feminista, e escritora libertária, admirada, reconhecida e premiada para muito além do sertão goiano. De Formosa você voou para o mundo e pra Formosa você trouxe o melhor do mundo. “Eu vou, mas sempre volto. Maktub”, você dizia.

 

A vida é uma ventania!  Família Odevico, como ela gostava de dizer. Iedinha, filha de tia Odete e tio Vico. Poetisa, militante, viajante do mundo. Agora viajou para um pouco mais distante…. vá na luz, ela é vitoriosa. Stela Coeli Ferreira.

 

MARIAS

 

Essa história de Marias foi você quem inventou, hermana! Muito antes do “Ninguém solta a mão de ninguém”, você decidiu que, entre nós, pra muito além dos biológicos laços de sangue, o destino traçou indeléveis e indestrutíveis correntes de solidariedade.

Brigar a gente brigava, como toda irmandade, mas falasse alguém de uma de nós ou do nosso Luiz que você partia pra cima, não poucas vezes na “porrada”. “Doeu em uma, doeu em todas; mexeu com uma, mexeu com todas; alegrou uma, alegrou todas,” era o seu bordão de todo dia. “E não mexam com o nosso Luiz, que tem Maria de sobra pra defender”, você dizia.  

Foi você também que, depois de uma viagem pelos Andes peruanos, resolveu que entre nós o tratamento seria de hermanas e hermano, sendo você doravante Marieda, para que o seu Maria estivesse sempre presente e saliente em nossas prosas.  

Amorosa, você deixou para cada uma de nós um legado de lindos textos. Para a Di Lourdes, nossa irmã encantada bem moça, em setembro de 1990, e que é nome de creche em Formosa (CMEI Maria de Lourdes), você escreveu e leu, a convite do vereador Wélio de Iraci Chegou, um lindo discurso-apoemado, durante a inauguração da biblioteca da creche, na primavera de 2021.

 

MARIA DE LOURDES

Essa mana Maria nunca esteve na cova da Iria (Aliás, Iria foi uma agregada de nossa família, uma preta bondosa e birrenta que a cada uma de nós dava uma nova alcunha. A Maria de Lourdes foi por ela rebatizada de Zói Regalado).

Tampouco, nunca esteve a mana em Portugal e nunca se encontrou com a Virgem. Entretanto, foi mãe Santa e guerreira. Enfrentou aflições, dilemas, problemas, por vezes bem parecidos com os que enfrentou a mãe do Nazareno.

Essa mana, a Di Lourdes, Lourdinha, a segunda na escala decrescente das Marias, aqui ficou brevíssimo espaço de tempo: 33 anos. Uma triste coincidência com a idade do Salvador.

A mana Maria de Lourdestambém passou seu bocado, seu calvário. Mas foi mulher bonita, faceira e encantadora, só não a pusessem nervosa que saía a gaguejar.

A Mana Di Lourdes prendada, mãos abençoadas para costurar, criar, inventar. Mana que tirava da cabeça incríveis ideias para alegrar olhos de todos:

bonecas, móbiles, tapetes… e completar a familiar.  A mana artesã de quem tenho saudosas lembranças.

Essa mana foi professora, talvez a mais dedicada que conheci.  Um esmero em cada detalhe, em cada enfeite, em cada carinho.  Mana do acolhimento e do aconchego, sempre trazia ao seu lado um ser necessitado e assim a nossa casa de enchia de gente, de amigos, de parentes.

Mana generosa, caridosa e de um coração gigante.  Testemunho que já vi essa mana doando seus pertences (inclusive os das outras manas também)

para aplacar a necessidade de alguém.

Mana que virou estrela, puro raio de luz, que deixa história, belas e felizes memórias. Mana que virou nome de creche (e ela amava as crianças) Hoje: motivo de honra e júbilo.

Maria de Lourdes Pereira da Silva – essa que deve estar radiante, como todos e todas nós, porque as crianças que estudam na creche que carrega seu nome recebe parquinho novo, modernidades. 

Penso na alegria que essa mana sentiria aover a meninada feliz, segura,

bem alimentada, bem cuidada e estudando. Imagino que de onde esteja também agradecerá ao vereador Wélio de Iraci Chegou por lutar sua luta:  escola, comida, brinquedo, cuidado, carinho aos pequeninos.

Em nome da família de Dondete e Sô Vico: suas 5 filhas e seu filho – vivos – e dos descendentes da Mana Maria de Lourdes quero dizer de nossa felicidade por podermos vivenciar este momento.

Queremos agradecer por manterem o ideal da mana firme e de pé: solidariedade, amor e partilha.

Somos um coro uníssono onde ressoa a palavra – gratidão!

Façamos, aqui, a chamada da saudade:

Maria de Lourdes, presente! 

Creche Maria de Lourdes: nosso presente!

 

CONVIVÊNCIA

 

São muitos os causos da nossa convivência feliz e divertida! 

Lembra aquela vez, no ano de 1994, em que os médicos de Brasília descobriram um aneurisma na aorta de nosso pai, e três de nós – Lúcia e você, de Formosa, e Zezé, desde New York – descambaram pra São Paulo, em busca de socorro?

Sô Vico, que era grudado em Lúcia, que era grudada em você (a quem você chamava de “Nega Peta”), partiu para São Paulo com duas acompanhantes. Já em Brasília, no balcão do aeroporto, você assumiu o comando:

– Moça, duas cadeiras de rodas, por favor!

Surpresa, a atendente indagou:

– Duas?

– Sim, uma para o doente e outra para a acompanhante, que tem deficiência e também precisa de uma cadeira, você respondeu ligeira.

E lá se foram os três, você empurrando as duas cadeiras de rodas, até o embarque para São Paulo, Sô Vico com indicação de urgência, recomendada pelo Dr. Ely Toscano Barbosa, respeitado cardiologista da Capital. 

Lembra, Marieda, que no aeroporto houve atraso e Sô Vico só chegou à clínica pouco antes da hora do almoço, o expediente fechando, para ser retomando às 14 horas?

  Ao perceber que a moça da recepção já tinha colocado a bolsa no ombro pra sair, você se adiantou:

– Vai fechar? Acabamos de chegar de Brasília, meu pai é o paciente que o dr. Ely recomendou, se recorda? Não temos pra onde ir, não conhecemos nada aqui, podemos ficar na clínica até você voltar? E papai, posso deitá-lo no consultório para esperar o médico? 

Pega de surpresa, a atendente gaguejou um sim, enquanto ajudava a acomodar papai dentro do consultório.

Já mais animado, Sô Vico logo soltou o seu tradicional “eu já como”, que era sua forma de dizer que estava com . E agora, onde arrumar comida, um caldo, que era só o que ele conseguia engolir àquela altura?

Você saiu rápida como sempre, voltou com um copo de sopa rala, colocou na mesa do médico, levantou papai e o ajudou a se sentar para comer. Não foram mais que três ou quatro colheradas e, açodado pela fome, Sô Vico bateu a mão no copo e derrubou tudo na mesa do médico!

Papai, assustado, tremia. Você tratou de acalmá-lo. Acomodou-o novamente na cama do consultório e embrenhou-se sabe-se lá por quais corredores daquela clínica, para voltar com água, balde, pano e detergente, com todo o arsenal de limpeza, deixando tudo nos trinques, antes do retorno da recepcionista e da chegada do médico.

Às 14 horas, em ponto, lá estava o doutor para o exame. Laudo nas mãos, os três partiram num táxi para um hotelzinho bem fuleiro e bem barato, perto do hospital Beneficência Portuguesa, para esperar a consulta, que seria na manhã do dia seguinte. Ufa!

 

COMPAIXÃO

No hospital, a espera foi longa. Vinda direto de New York num voo que durou a noite inteira, Zezé apagou na primeira cadeira vazia que conseguiu encontrar. Sô Vico na cadeira de rodas via TV e observava, por certo orgulhoso de suas três filhas ali, junto com ele naquela hora difícil.

Lúcia espiava papai a meia distância, apreensiva. Você, pra variar, logo se aproximou de uma senhora de São Paulo, que tratava ali fazia tempo, e puxou conversa. Você contou que éramos de Formosa, Goiás, e que o tratamento de papai era feito em Brasília, mas que daquela vez o médico havia encaminhado para São Paulo.

A senhora perguntou se as duas, você e Lúcia, eram filhas. Você respondeu que sim e apontou para a Zezé:

– Ela também é, mas está muito cansada, chegou essa madrugada dos Estados Unidos.

A mulher, surpresa, indagou:

– E vocês, as três, estão aqui só pra acompanhar seu pai?

Orgulhosa, você respondeu que sim, ao que a mulher retrucou, profundamente triste:

– Pois eu moro aqui, mas minhas filhas nunca me acompanham. Acredita que eu venho sempre sozinha e até já operei sem nenhuma companhia? Ah, se eu tivesse filhas amorosas assim, eu acho que nemseria tão doente… A mulher seguiu lamentando, foi-se encolhendo na cadeira… 

Você, hermana, não teve dúvidas:

– Mas, ó, deixa eu te contar uma coisa: a gente se une assim na doença, junta todo mundo, é mesmo de fazer gosto. Mas passado o perrengue, é cada qual no seu canto porque, cada vez que a gente se encontra, tem briga de dar até morte, é na facada mesmo!

– Credo, isso minhas filhas não fazem, não! 

A mulher levantou-se rápido, saiu por entre as cadeiras e se sentou bem longe de nós, lembra? 

Lúcia, até então muito calada, repreendeu você fula da vida:

– Como assim, você enlouqueceu? De que brigas você está falando? Isso é um absurdo! Você, calmamente, justificou:

– Ora, mana, você não tem compaixão? Você viu a tristeza da mulher, achando que tinha as piores filhas do mundo? Você não imagina o que ela deve sofrer? Ela agora está menos infeliz, pode apostar!

 

SOLIDARIEDADE

  À medida que sua irmã,companheira de trabalho, a “Nega Peta”, foi perdendo a mobilidade, você grudou nela para resolver, à sua maneira criativa, os graves problemas de acessibilidade por ela encontrados em Brasília.

Uma vez, Marieda, Lúcia precisava assinar, pessoalmente, documentos na então Fundação Educacional do Distrito Federal, em uma sala que ficava no topo de uma escada, sem elevador. Você deu seu jeito:

– Moço, me dá uma ajudinha aqui?

– Pois não, disse solícito o primeiro professor que passou por sua frente.

– Carrega minha irmã até lá em cima? Ela precisa assinar um documento urgente e eu não tenho braço pra isso.

Claro que o professor subiu nossa irmã Lúcia, que te deu um carão pela vergonha passada, ao se ver nos braços de um desconhecido.  Pra descer, você contava rindo que Lúcia resolveu que era melhor descer sentada, escorregando pelos degraus, pra evitar nova vergonha. E assim foi.

Você era assim com todas nós, hermana. A cada neta ou neto de cada qual de nós que nascia, você parava seus escritos por semanas e meses, para se esmerar na produção de mantas e fantásticos mandriões, bordados à mão, para os batizados. 

Mana Sílvia não esquece o ramalhete de rosas vermelhas com que você a presenteou no nascimento da Maraísa e lembra as mantas que você fez com carinho para Heitor e Manuela… 

Nos aniversários das nossas meninas, você escrevia lindos poemas sobre o Cerrado, sobre a história daquela criança, para que sua “Nega Peta” bordasse e costurasse em forma de belíssimos vestidos.

Bordadeira de primeira, você aprendeu o ofício com sua madrinha Glorinha, de quem você também cuidava com esmero de filha.

E quantas vezes você não perdeu uma prova ou interrompeu uma viagem para ficar bem perto de uma irmã em dor? 

Quantas noites você não abdicou de uma daquelas festas que você tanto amava para ajudar sua irmã Martha a finalizar uma batelada de artesanato? E quando ela, aprovada em concurso da Secretaria de Educação do GDF, encontrou entraves burocráticos para assumir? Você foi ao MEC e rodou a baiana, lembra?

E quando, em 2015, foi descoberto o câncer da Zezé, você, que nunca gostou de cozinhar, tornou-se esperta na produção de bolos sem açúcar, para que ela pudesse ter uma dieta adequada ao tratamento.

Isso sem falar no carinho que você tinha por nosso irmão Luiz. Era lá que você se abancava quando seu coração doía ao ponto de pensar fixamente na melhor forma de partir deste mundo. Nas piores horas, era no ombro do Luiz que você mais chorava.

 

LULA LIVRE

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Viajar com você era bom demais! Como esquecer dos dias felizes que passamos em Curitiba, na Vigília Lula Livre? Durante quase uma semana, você foi a alma da Vigília, hermana, contou causos, recitou seus poemas, fez seus protestos, benzeu gente e ensinou gente a benzer!

Para que Lúcia tivesse orgulhosa aquela foto com Pepe Mujica, lembra seu empenho? E o quanto você proseou com as pessoas da Vigília? Quantas histórias ouviu e contou para nos recontar depois?  Valeu a luta, Lula está livre e será nosso presidente novamente, como você queria, viu? 

Participar de uma reunião com você também era bom demais! Como esquecer o último encontro da Xapuri, em 4 de dezembro, quando homenageamos o Jaime? Você chegou no começo da tarde, fez um lindo depoimento sobre sua trajetória na Revista e depois partiu para a contação de causos, fazendo todo mundo gargalhar até alta madrugada!

Mesmo quando seu coração estava chorando, você dava um jeito de distrair a gente com seu incrível bom humor. Na virada de 2021 para 2022, depois de receber o ano novo cantando e dançando “Olê, olê olá, Lula, Lula!”, você escapou cedo da reunião familiar.

– Cadê tu? – perguntou Lúcia pelo zap, pouco depois da primeira hora de 2022.

A resposta veio acompanhada de uma foto:

– Vim ver Gucci (sua amada golden retriever). Não posso voltar, Gucci está fechando a porta, veja isso! Proibida de sair pela cachorra!

Só mesmo você, Marieda!

Zezé (Maria) Weiss – (Maria) Martha Nunes – (Maria) Lúcia Resende – Sílvia Maria e Luiz Otávio Vilas Bôas – Irmãs e irmão de Iêda Vilas-Bôas

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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