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BALDWIN: REBELDIA E ATIVISMO

BALDWIN: REBELDIA E ATIVISMO

Homenageado pelo Doodle do Google neste início de fevereiro, Baldwin é símbolo da resistência nas américas. 

Por Arthur Wentz e Silva/Revista Xapuri

Nem tudo que se enfrenta pode ser modificado, mas nada pode ser modificado até que seja enfrentado.

(Baldwin. As Much Truth As One Can Bear. The New York Times, 14 jan. 1962.)

Pensar em escrever sobre o genial pensamento de Baldwin me fez refletir sobre as muitas transformações que se passaram no mundo em busca de direitos. É algo genuíno pensar em como o mundo teve de modificar-se para semear um novo tempo para as juventudes. A luta por justiça social não se restringe ao nosso tempo, um exemplo disso é o ativismo e rebeldia daqueles que nos fortaleceram em tempos de dura perseguição. Ao caminhar nas estradas da resistência, a base que deve nos guiar são as vivências destes que inauguraram um tempo novo.

Ao delinear sobre a experiência de escrita sobre Baldwin, sinto preparo para descrever um pouco mais de sua jornada em nosso mundo. Nascido em 1924, o cenário sócio-político foi marcado por duras disputas pelo mundo. O chamado “entre guerras” e o crescimento das novas potências mundiais também fizeram emergir um mundo cheio de conflitos. Os regimes totalitários ganharam forma e originaram uma nova vertente de práxis política. Nesse rumo, a história mundial foi marcada por regimes tensionados  e o medo pelo retorno de um conflito com mal resolvido término, a Primeira Guerra Mundial. Os EUA desfrutavam dos anos dourados e a experiência do dito progresso certificava uma nova construção econômica, em breve tombada pela Depressão de 1929.

Sendo o mais velho de dois irmãos, teve a infância completamente devastada pela Depressão de 1929. O desemprego nos EUA durante este período chegou a cerca de 50% e o índice de pobreza aumentou significativamente. Orilla Miller, professora do garoto, chegou a descrever a vulnerabilidade de sua casa como uma das piores já vista em toda sua vida. Esta personalidade foi fundamental para a história de nosso protagonista. Foi Miller a responsável em levar o garoto curioso e esperto ao cinema pela primeira vez. Uma experiência marcante em sua trajetória, mais tarde mencionada na obra The Devil Finds Work (O Diabo Acha Trabalho). 

Um evento que marcou a trajetória de Baldwin com a resistência foi o 1º de maio. Levado pelo marido de Miller, o garoto descobriu gosto pela revolução. Ao que descreveu, mais tarde, como:

O fermento universal e inevitável que explode no que é chamado de revolução

A frase ficou famosa por sua intransigência, mas também pela forma em que o estadunidense encontrou para se rebelar: a escrita. Escrever para ele significava exatamente o mecanismo para resistir aos fenômenos de escárnio de um sistema de exploração e violência. Mais tarde, o encontro com outros poetas famosos viria a acontecer. O importante Countee Cullen foi responsável por incentivar a escrita e a mudança do poeta. Em DeWitt Clinton High School, agora em Nova York, encontrou os futuros editores e amigos muito importantes. Aluno de Abel Meeropol, letrista comunista e condenado à morte, acusados de espionagem pró-soviética, o aluno teve grandes influências na escrita revolucionária e nas teorias políticas.

Enquanto conhecia a vida de artista, intelectual e esquerdista, Baldwin teve empregos mal remunerados em Nova York até angariar bolsa pela Liga Comunista de Escritores Americanos. Esta série de reuniões condicionou o poeta revolucionário a ganhar confiança em si próprio e obteve a primeira faísca à vida consagrada de escritor. Assim, aos 20 anos foi convidado a publicar seu primeiro romance pela editora de Wright. É importante mencionar a repressão vivida naquele período nos EUA. A repressão aos grupos de juventude comunista era tão forte que a biografia do autor deixa claro os medos e as perseguições vividos no período.

Ainda que perseguido pelo FBI, o poeta foi perspicaz na constatação de mecanismos de publicação. Publicou diversas obras, incluindo ensaios, romances, peças, ensaios e matérias para o jornalismo político da época. Fortaleceu uma ótica, ainda que brevemente, marxista da constatação da realidade. Com o trabalho adaptado para outras expressões artísticas, como o teatro, se tornou uma importante figura para o mundo das Letras. Algumas de suas obras ficaram inacabadas, como a trajetória de vida de Malcom X. 

Por muito tempo houve uma tentativa de silenciamento e negligência com a obra Baldwiniana. Aqui utilizo silenciamento, pois ainda que tentam não evidenciar o seu legado para a política e literatura, tal feito é impossível. A poesia constata um universo fragmentado nas experiências do universo da esquerda. Nesse sentido, a visão do autor é fundamental para pensar as estratégias de lutas na contemporaneidade. Atualmente existe uma tentativa de consolidar sua memória e legado na literatura mundial. Parte deste esforço vem do clamor das ruas e movimentos de ascensão da comunidade negra. 

Com o suicídio de Eugene Worth, recrutador de Baldwin para a Associação dos Jovens – Liga Socialista (YPSL), nosso poeta socialista se vê sem forças para continuar a busca por justiça política. Em tempos de muita devastação no cenário internacional, foi em busca de seu próprio eu. Claro que a revolta jamais saiu de seu peito, mas a partir daquele momento decidiu dedicar-se a conexões com seu próprio eu. Em busca de sobreviver encontra-se na Europa, onde engaja a produção de seu primeiro romance, Another Country, sobre seus aos no Istambul. O romance, focalizado em uma versão fictícia do suicídio de Worth, descrevia boêmios que não se alinhavam com os abandonos frequentemente associados a cafés por parte da sociedade de classe média. Em vez disso, apresentava uma coalizão desconfortável de párias cujas diferenças raciais, sexuais ou econômicas os separavam desde o início – uma comunidade exilada em seu próprio país.

Em uma ânsia de bloquear o desempenho de uma literatura afro-americana e engajada construir uma filosofia de diversidade sexual, o FBI pensa em proibir a obra de circulação. 

Toda a vida do autor foi baseada na rebeldia e na intransigência. Sua busca por uma sociedade mais humana e diversa, que protegesse os direitos individuais e coletivos esteve intacta em cada fase de sua produção. Baldwin, entre muitas de suas diásporas, retorna aos EUA com a missão de entregar-se as vivências de seu povo. Dedicou-se na construção de uma narrativa crônica do Movimento dos Direitos Civis e pautou desde o início a Igualdade Racial e engajou-se na construção efetiva de políticas de resistência.

Também dedicou-se na emancipação dos povos latinos, através da assinatura do ComitÊ Fair Play for Cuba e pressionou causas urgentes que visavam conter os avanços da dominação e a ampliação de um movimento de soberania das nações latinas. Durante esse período, a evolução do pensamento político e da escrita de Baldwin revela uma trajetória marcada por um movimento inicialmente promissor que acabou levando à desilusão. Desde o início, Baldwin via questões através de uma perspectiva anticolonial, influenciada por seu interesse no movimento não alinhado e pelas experiências vivenciadas durante os anos em que testemunhou os impactos da Guerra da Argélia na França, durante seus anos de formação lá.

Devido aos seus pontos de vista anti-imperialistas, James Baldwin defendeu os direitos palestinos e, posteriormente, apoiou o veterano dos direitos civis Andrew Young. Young foi demitido pelo governo Carter de sua posição como embaixador dos EUA nas Nações Unidas por ter se encontrado com um representante da Organização de Libertação da Palestina na ONU.

Durante os anos 70 e 80, críticos o consideravam ultrapassado, como mencionado em uma resenha do Times que o descreveu como “fora de moda” e um “fantasma dos anos 60”.

No entanto, a realidade era diferente. Baldwin continuou explorando novas formas de expressão artística e se engajando em movimentos políticos emergentes. Ele se envolveu ativamente no feminismo negro, no crescente movimento de libertação gay e abordou questões relacionadas aos palestinos e às relações entre judeus e afro-americanos em sua escrita. Além disso, publicou dois livros em formato de diálogos, um com Margaret Mead e outro com Nikki Giovanni, demonstrando seu interesse no trabalho intelectual colaborativo que desenvolveu por meio de conversas com diferentes movimentos sociais.

O nobre escritor ficou por muitos anos por detrás das cortinas e escondido nas poucas estantes de literatura. Seu legado, no entanto, permaneceu inalterado. É na figura revolucionária do indignado escritor que percebemos uma variável política muito importante à sociedade atual: a revolução pela arte. Algo muito descrito nos ensaios de Benjamin, como a própria tese da Politização da Arte, já fora por ora adotada por grandes nomes da literatura mundial. Caso de Baldwin. A tentativa de sucumbir suas obras ao esquecimento, certamente é um projeto político do capitalismo em sua esfera mais feroz e violenta. 

Felizmente, períodos de abertura política nos oferecem uma oportunidade de redescobrir tradições culturais e ideias radicais além das paredes da sala de aula. Após a morte de Baldwin, os estudiosos começaram a reconsiderar sua obra à luz dos estudos queer e de gênero. Hoje em dia, vemos a relutância de Baldwin em se rotular como gay e sua insistência na natureza construída e artificial da categoria como uma antecipação das culturas queer contemporâneas. Em Istambul, ele encontrou alívio das normas sexuais americanas e cristãs, dirigindo inclusive a primeira peça encenada na Turquia com temas e personagens incomuns.

Embora menos conhecidos, seus ensaios exploram a androginia e o que ele descreve como a “prisão masculina”: o papel violento do estado americano, tanto em suas fronteiras quanto no mundo todo.

É preciso manter viva a memória e o legado de alguém que caminhou as estradas mais duras que hoje conseguimos percorrer em marcha para a liberdade. É a resistência de Baldwin que fornece mecanismos para defender uma sociedade mais justa e emancipadora. Levar autores da revolução é inaugurar uma fase na história mundial, uma história contada por pessoas como nós. Cheias de revolução. Façamos dos versos do nobre poeta um cântico de saudação à liberdade. 

Arthur Wentz e Silva é estudante de Letras – Língua Portuguesa e Respectiva Literatura e compõe o time de Redação da Revista Xapuri.

 Capa: Raplh Gatti/AFP/Getty Images/Reprodução


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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