Estatuto do índio

Bancada ruralista quer mudar de novo o Estatuto do Índio para controlar demarcações

Para controlar demarcações, bancada ruralista quer mudar de novo o Estatuto do Índio

De interesse dos ruralistas, medida fragiliza direitos e fere Convenção 169, da OIT, sobre consulta prévia aos

Por Cristiane Sampaio

 

Estatuto do índio
Indígena acompanha sessão na Câmara dos Deputados, em , em 2015 / Foto: Evaristo Sá / AFP

Passadas as , os direitos indígenas voltaram ao centro dos ataques da bancada conservadora na Câmara dos Deputados. Uma proposta que pode inviabilizar o reconhecimento dos territórios dessas comunidades pode ser votada em breve na Comissão de Constituição e (CCJ) da Casa.

É o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que altera o Estatuto do Índio, datado de 1973, para estabelecer que as sejam demarcadas por meio de projetos de lei no Poder Legislativo, não mais pelo Poder Executivo, como ocorre atualmente.

A medida é uma espécie de simplificação da polêmica Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que também transfere do Executivo para o Legislativo a responsabilidade sobre a demarcação e não pode ser votada atualmente por conta da intervenção federal vigente no estado do Rio de Janeiro.

É que, pelo artigo 61 da Constituição Federal, o Congresso Nacional não pode votar PECs enquanto o país estiver sob intervenções como a incursão militar no RJ.

Orquestrado pela bancada ruralista, o PL 490 tramita de forma conjunta com outros 11 projetos de conteúdo semelhante, tendo como relator o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), um dos nomes que chegaram a ser cogitados por Jair Bolsonaro (PSL) para comandar futuramente o Ministério da .

Ao apresentar parecer sobre a medida, o ruralista propôs a rejeição do PL 490 e sugeriu, por meio de um substitutivo, um conjunto de dispositivos. Entre eles, estão a facilitação para realização de obras e exploração de recursos em terras indígenas e a retirada do direito de consulta aos povos originários.

No relatório, o deputado aponta que as medidas estariam dentro das normas constitucionais, jurídicas e técnico-legislativas, mas opositores destacam o contrário.

Este último ponto, por exemplo, fere a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a qual os povos tribais e indígenas precisam ser previamente ouvidos sobre eventuais medidas administrativas e legislativas que tenham potencial para afetá-los diretamente.

Para Valéria Paye, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a agilidade que os ruralistas tentam dar ao trâmite do projeto de lei se relaciona com a eleição de Bolsonaro, associada ao contexto político nacional de avanço conservador.

“Com esse governo eleito, a gente tende a enxergar como algo que antes era uma ameaça, mas hoje é real. É a nossa perspectiva de análise”.

Apresentado em maio deste ano, o parecer de Goergen está pronto para ser votado na CCJ, que tem como função avaliar a constitucionalidade das matérias legislativas. Caso seja aprovada no colegiado, a proposta segue para o plenário da Casa.

Além do relatório, os parlamentares da comissão deverão avaliar o voto em separado dos deputados Chico Alencar (Psol-RJ) e Ivan Valente (Psol-SP), que apontam a inconstitucionalidade da proposta e pedem a rejeição do PL.

Alencar ressalta que o projeto fere o capítulo da Constituição que protege os direitos indígenas, com destaque para as terras, a e a identidade das comunidades.

“Esse projeto é muito nefasto, muito ruim. Nós vamos combatê-lo e esperamos que ele não prospere na CCJ”, ressaltou o parlamentar.

Marco temporal

Outro aspecto do relatório apontado como ameaça aos povos tradicionais é a inserção da tese do chamado “marco temporal” no Estatuto do Índio. Essa teoria considera que as comunidades só podem ter direito à demarcação de um território se comprovarem que ele estava sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição Federal.

A tese foi utilizada pelo Supremo na ocasião do julgamento sobre a terra indígena Raposa Terra do Sol, em Roraima, em 2009. Os indígenas destacam, no entanto, que a decisão é específica para o caso e por isso não tem caráter vinculante. Isso significa que ela não gera necessariamente um efeito cascata sobre as demais decisões.

A líder indígena Sônia Guajajara considera preocupante o avanço dessa teoria. Ele destaca ainda que, além das propostas legislativas que tratam da aplicação do marco temporal, as comunidades lutam contra medidas dos outros poderes que também recuperam a questão.

É o caso do Parecer 001/2017, da Advocacia-Geral da União (AGU), que transforma a tese político-jurídica em regra. O dispositivo tem sido uma das marcas do governo Michel Temer (MDB) em relação aos povos originários.

“São os Três Poderes juntos pra fortalecer essa ideia de estabelecer 1988 como ano-base pra demarcação de terras indígenas. Isso é muito perigoso, muito grave porque desconsidera toda a tradicionalidade, o direito originário aos territórios”, afirma Sônia.

A tramitação do PL 490 é acompanhada com atenção no Legislativo também por organizações que atuam em defesa do meio ambiente, como a ONG Instituto Socioambiental (ISA).

O advogado Maurício Guetta, um dos porta-vozes da entidade, afirma que a fragilização dos direitos indígenas atinge diretamente os recursos naturais porque os povos originários têm papel fundamental na proteção de florestas, matas e rios, entre outros.

“As terras indígenas são as áreas mais protegidas do . Inclusive, todos os estudos científicos que analisam essas terras e a sua proteção ambiental colocam claramente que elas superam e muito as unidades de , os parques, estações ecológicas. Uma proposta que pretende impedir demarcações e, eventualmente, até rever outras, certamente é uma ameaça pro meio ambiente”.

ANOTE AÍ

Edição: Diego Sartorato

Fonte: Brasil de Fato

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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