Bela Vista de Goiás tem semáforo

Bela Vista de tem semáforo

Equipamento de Trânsito provoca falsa impressão de modernidade

Por Antenor Pinheiro

Pequena cidade de nome ligado à beleza do Cerrado, Bela Vista de Goiás faz parte da região metropolitana de Goiânia, com 28 mil habitantes e baseada em indústria de laticínios, aviários, gado de , comércio e serviços.

Como a maioria das urbes brasileiras, coleciona todos os ingredientes negativos que caracterizam os nossos ambientes urbanos e, consequentemente, comprometem a qualidade de de seus cidadãos.

Da mesma forma que em milhares de outras do país, ali se observam:  ineficiente tratamento de resíduos sólidos; drenagem instável; baixa permeabilidade do solo; déficit habitacional; reduzida oferta de empregos; ineficientes serviços públicos de ; escolas carentes de investimentos; poluição ambiental; urbana; e assim por diante.

É certo que esse conjunto de problemas está relacionado à alta taxa de urbanização dos domicílios brasileiros, que variou drasticamente entre 1970 (55,9%) e 2000 (84,4%), projetada a alcançar 90% logo mais, em 2020, conforme constatação oficial (IBGE, 2010). Mas é certo também que pouco foi feito no e na gestão dessas cidades, para que fossem evitados todos estes, digamos, irreversíveis problemas.

A flagrante inépcia verificada em sucessivas governanças no contexto desse acelerado processo de urbanização bem justifica a sensação de impotência para seu enfrentamento. E o resultado imediato que hoje experimentamos é conviver em territórios cada vez mais segregados nas grandes cidades, o que hoje indistintamente aflige médias e pequenas cidades, como é o caso de Bela Vista de Goiás.

Um dos aspectos relevantes que explicam esse diagnóstico está refletido na forma desarticulada como as pessoas se deslocam nas cidades em relação à distribuição de seus bens, mercadorias e serviços.

É a partir da qualidade da relação espacial entre os desejos de deslocamento da população (origem-destino) e as opções disponíveis para tal (modos de transporte) que emerge a boa dinâmica de circulação nos espaços de mobilidade das cidades.

Logo, se temos cada vez mais espaços urbanos em permanente desagregação e opções de deslocamento cada vez mais restritas, ainda mais teremos cidades deformadas e empobrecidas.

Nesse contexto, o que experimentamos é a perpetuação do modelo de econômico adotado no país, especialmente a partir da década de 1950, quando aqui se instalou a indústria automobilística. Assim, juntamente ao incremento do processo desarticulado de urbanização, vendeu-se a ilusão de que a melhor, mais segura e moderna forma de se deslocar nas cidades era de carro.

No imaginário da deseducada população instalou-se, desde então, o desejo da busca do sucesso pela aquisição e uso predominante do automóvel. Locomover-se de bicicleta e transporte coletivo virou sinônimo de pobreza, e até andar a pé ficou sob suspeição de fracasso social. Daí o porquê da falta de investimentos em sistemas de transportes coletivos, cicloviários e calçadas acessíveis.

O resultado dessa nociva equação está demonstrado nas grandes cidades, cujos espaços saturados corromperam o conceito de cidade como espaço de convivência entre pessoas, passando a ser espaço de ninguém, ou melhor, dos carros e motocicletas.

Mas o que tem a ver com isso o semáforo da pequena Bela Vista de Goiás? Tudo, pois ele representa essa forma errada de enxergar o mundo urbano, cujos valores repercutem a mesma deterioração experimentada nas grandes cidades.

Mesmo que precedido de indispensáveis estudos de valores de volume, ângulos de aproximações recíprocas, definição de diagramas de estágios, pesquisas e análises de acidentalidade, enfim, de tudo que justificaria sua implantação, o semáforo de Bela Vista de Goiás representa menos uma solução, e mais a falsa modernidade. É o ilusório progresso que possa representar uma esquina piscante alternando informações luminosas para os fluxos de carros e motocicletas – é o que também acontece lamentavelmente em milhares de outras pequenas cidades brasileiras.

Talvez neste momento de crise fosse melhor às pequenas cidades terem seus modestos recursos carreados para reestruturação de seus sistemas viários, neles resgatando os espaços para pedestres, bicicletas, e implantando redes (pequenas que sejam) de transporte coletivo… Por que não? Seria o começo de uma pública com vistas a inverter essa perversa lógica e garantir às futuras gerações cidades melhores e mais sustentáveis.

 

 

 

 

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!