Belchior: um poeta atemporal
Por Carlos Carvalho/247
Se vivo estivesse, Antonio Carlos Belchior, nascido no dia 26 de outubro de 1946, completaria 75 anos na próxima semana e, muito provavelmente, estaria cantando e denunciando o estado medonho das coisas que estão engolindo o que ainda resta de decência neste país, como fez em inúmeras de suas canções desde seus trabalhos iniciais até o último. Excetuando-se as coletâneas, edições especiais, participações em discos coletivos e álbuns de outros intérpretes, quinze discos compõem sua discografia oficial; sendo toda ela permeada da mais alta qualidade poética, com reconhecimento de crítica e público.
A poética de Belchior alcançou os mais altos níveis da canção popular, estando qualitativamente no mesmo patamar da produção de Bob Dylan, por exemplo. Trata-se de uma escrita que não cabe apenas na estrutura da canção tal qual a compreendemos, mas de um texto que se eleva ao nível da grande poesia, cujas temáticas são universais e atemporais sem se desconectar da realidade, uma vez que a alucinação do eu-lírico da sua poesia é suportar o dia a dia, e seu delírio é a experiência com coisas reais. E é assim que o poeta deixa claro estar mais interessado em amar e mudar as coisas do que em qualquer forma de teoria, fantasia ou algo mais.
Para mergulhar mais detidamente na vida e na obra do bardo cearense é possível acessar uma significativa quantidade de trabalhos acadêmicos (monografias, dissertações e teses), que surgem todos os anos e que tomam como objeto de pesquisa as temáticas presentes na obra do referido artista.
Como exemplo, citamos dois trabalhos da pesquisadora Josely Teixeira Carlos, que são a dissertação Muito além de apenas um rapaz latino-americano vindo do interior: investimentos interdiscursivos das canções de Belchior, defendida na Universidade Federal do Ceará – UFC no ano de 2007, assim como sua tese de doutorado Fosse um Chico, um Gil, um Caetano: uma análise retórico-discursiva das relações polêmicas na construção da identidade do cancionista Belchior, defendida na FFLCH-USP no ano de 2014.
Entre os livros em circulação, citamos: Para Belchior com amor (2016), organizado por Ricardo Kelmer; Alguns (pré)textos nas canções de Belchior num Brasil ufanista (2017), de Eder Deivid; Belchior: a história que a biografia não vai contar (2017), de Jorge Claudio de Almeida Cabral; a biografia Belchior: apenas um rapaz latino-americano (2017), de Jotabê Medeiros; Sujeito de sorte: Belchior e a filosofia como o diabo gosta (2020), de Abah Andrade, Cancioneiro Belchior (s/d), de José Gomes Neto e Viver é melhor que sonhar: os últimos caminhos de Belchior (2021), de Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti.
Assim, no ano em que faria 75 anos, já não se pode contar com os abraços do autor de “Velha roupa colorida”, mas será sempre possível ouvir, ler e estudar suas canções; as quais tratam, entre outras coisas, do amor, da morte, das angústias do humano, do estar-no-mundo e da constante indignação perante à opressão. E assim o fez, cantando canções, falando fácil, claro-fácil, claramente, das coisas que acontecem todo dia em nosso tempo e lugar.