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Brasil tem 2,9 milhões de gays, lésbicas ou bissexuais

Brasil tem 2,9 milhões de gays, lésbicas ou bissexuais

Brasil tem 2,9 milhões de gays, lésbicas ou bissexuais

Duzentos e trinta e três mil pessoas da região Norte se autoidentificaram como homossexuais ou bissexuais. No Brasil, 2,92 milhões de brasileiros (ou 1,8% da população acima de 18 anos) assumiram uma dessas duas orientações sexuais diante de um pesquisador do IBGE…

Quatro dos sete Estados amazônicos (Amapá, Amazonas, Pará e Rondônia) têm mais gays, lésbicas ou bissexuais do que a média brasileira. Pela primeira vez na História, e ainda de forma experimental, o órgão oficial de pesquisas do País investigou a orientação sexual do brasileiro. Os resultados nacionais e regionais surpreendem.

Por Eduardo Nunomura e Wérica Lima

A população heterossexual chegava a 94,8% (150,8 milhões de brasileiros) em 2019, ano em que foram coletados os dados para a Pesquisa Nacional de (PNS). Já a de homossexuais era de 1,2%, a bissexual de 0,7% e os de outra orientação sexual, 0,1%. A amostra foi composta de entrevistas em 108 mil domicílios. Os pesquisadores do IBGE fizeram a seguinte pergunta: “Qual é a sua orientação sexual?”.

Os dados aparentam estar subnotificados, e o próprio IBGE admite essa ressalva. Por ser a primeira vez que esse tipo de pergunta é feita numa pesquisa desse alcance, não é improvável que o brasileiro tenha se esquivado de respondê-la corretamente. Estudos equivalentes em outros países mostram uma proporção maior de homossexuais ou bissexuais em relação à PNS. No Canadá, 3,1% dos homens e 3,5% das se identificam como lésbicas, gays ou bissexuais (LGB). Nos , a proporção é de 2,7% (eles) e 3,2% (elas), enquanto na Grã-Bretanha ficam em 2,5% e 2,4%.

Uma explicação para a subnotificação pode estar embutida nos dados de 2,3% dos entrevistados que se recusaram a responder e de 1,1% que não souberam se autoidentificar, com maior destaque entre pessoas com ensino médio incompleto. Ou até o medo de ser discriminado e sofrer algum tipo de violência podem ter feito com que muitos entrevistados tenham omitido essa para os pesquisadores da PNS.

A autodeclaração da orientação sexual não impede que um heterossexual tenha atração por alguém do mesmo sexo. Um homem trans pode manter relações com uma mulher e nada impede que, na PNS, tenha se identificado como heterossexual. A PNS 2019 procurou averiguar a chamada “orientação afetivo sexual”, que basicamente detecta quem é gay, lésbica ou bissexual. As diferentes identidades de gênero, como cis e transgênero, não foram consideradas, nem mesmo a expressão de gênero (feminino, masculino ou andrógino).

“Eu sendo uma pessoa não-binária e transmasculina, como responderia a essa questão?”, provoca o designer especialista em e inclusão e estudante de biologia, Allen Ximenes, de 23 anos. Embora elogie a PNS, por seu pioneirismo de mostrar que a “existe de uma forma muito mais concreta”, Allen lembra que faltou também questionar a identidade de gênero. “Se o assunto que ela [a pesquisa] estiver querendo saber é sobre os meus órgãos, se responder sexo feminino, vou obviamente estar contribuindo para estatísticas de pessoas que precisam de acesso ao ginecologista. Mas esse sexo não representa a minha identidade muito mais voltada para o masculino, embora ela seja uma identidade não-binária. E aí eu faço o quê?”

Fundador do coletivo Recursos Trans AM, que surgiu a partir de sua experiência de buscar comunidades de apoio e não encontrá-las em no início da transição, Allen lembra que uma pessoa pansexual respondendo à pergunta da PNS sobre orientação sexual pode se sentir inclinada a responder “bissexual” por falta de opção.

Da mesma forma, na resposta de uma mulher trans que se identifica como homossexual, Allen adverte que a pesquisa entenderia a resposta como uma afetividade sexual que envolveria apenas dois órgãos genitais iguais – considerando a ideia de sexo biológico feminino, quando na verdade dentro da vivência trans as afetividades sexuais podem envolver quaisquer órgãos genitais, dado que a identidade de gênero é diferente do sexo biológico atribuído.

“Muita gente acha que o ‘outros’ é suficiente para incluir uma pessoa, embora seja o mínimo para abranger outras opções e não restringir quem está respondendo. Se uma pessoa trans responde a essa pesquisa, baseada em sua vivência e identificação, a pesquisa não estará entendendo essa resposta de forma verdadeira. Como a pesquisa tem uma estrutura cisnormativa, ela vai computar o dado de um jeito diferente, assumindo que a vivência é de uma pessoa cisgênero e não de uma pessoa trans”, explica Allen.

O DESTAQUE DO NORTE

O Amapá aparece como a segunda Unidade da Federação, só atrás do Distrito Federal (2,9%), a ter maior proporção autoidentificada como lébica, gay ou bissexual (2,8%). E um dos motivos é que Macapá está em terceiro lugar nacional entre as capitais brasileiras, com 3,9% dos macapenses se identificando como LGB – Porto Alegre (5,1%) e Natal (4%) estão na frente. Em números absolutos, equivalem a 13 mil pessoas na capital do Amapá. Numericamente mais expressivos são os 46 mil manauaras e 30 mil belenenses, por serem de com mais habitantes do que Macapá.

O Amazonas vem em terceiro (2,3%), o Pará em nono (1,9%) e Rondônia em décimo (1,9%) na região Norte com maior proporção de homossexuais e bissexuais. Tocantins é o amazônico com a mais baixa proporção do País (0,6%).

Há mais homens (considerando o sexo biológico) gays (1,4%) do que mulheres lésbicas (0,9%), enquanto que existem mais mulheres bissexuais (0,8%) do que homens bi (0,5%). Os pesquisadores da PNS detectaram que na população de 18 a 29 anos, a proporção de homossexuais ou bissexuais para maiores de 18 anos é de 4,8%, muito superior aos mais velhos (1% para a faixa de 40 a 59 anos ou 0,2% para 60 anos ou mais).

Davi Martins, de 22 anos, um artista plástico independente e estudante de Jornalismo, é um homem cis gay, identificando-se assim desde os 19 anos. Desde que começou a ter uma vida sexual ativa, passou a frequentar postos de atendimento à saúde. Ele procura por exames rotineiros de DSTs ( Sexualmente Transmissíveis) e dermatologia, estes últimos por causa de quadros intensos de psoríase causados por estresses ligados à sua orientação sexual e vivência no mundo.

Dependente do Sistema Único de Saúde (SUS), Davi já enfrentou experiências boas e ruins ao ser atendido em postos médicos e hospitais. Nem sempre davam a devida atenção a fatores emocionais ou psicológicos, recorda-se. Para começar a fazer testes rápidos de DSTs, sentiu-se desorientado. Mas nada se compara ao que enfrentou em março deste ano, no Hospital Tropical [nome popular da Fundação de Medicina Tropical de Manaus]. Na época, ele começou a perder peso e ficar muito mal, sentindo fraqueza e dores de cabeça. Imaginava que podia ser estresse, mas resolveu fazer novos exames no final de abril.

Ao fazer a testagem rápida, ele testou positivo para o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana). “O resultado me chocou pouco, pois sei dos cuidados que devo tomar, mas que minha vida não acabou por conta disso. Porém o diagnóstico quando foi passado gerou muito desconforto”, afirma.

Atendido por uma médica e um enfermeiro, foi questionado sobre sua vida sexual, gênero, para poder tirar o sangue para exame. Na hora de receber o resultado, era nítido que havia dado positivo. Estavam presentes, além das duas pessoas iniciais que o atenderam, mais um médico e enfermeira, todos olhando-o na sala. Quatro pessoas para dar um diagnóstico. O médico que nem mesmo o atendeu inicialmente foi quem lhe deu o resultado. Sequer pôde marcar exames, e foi aconselhado a voltar no dia seguinte.

Uma enfermeira se espantou ao saber que ele recebeu o diagnóstico de uma maneira tão fria. “Lá na emergência não deveriam ter me passado o resultado daquela forma, com várias pessoas me olhando”, lembra Davi. “Somente a médica que me atendeu deveria ter me passado. Ela deveria ter me orientado a passar pela triagem com a enfermeira para me falar das opções de tratamento”.

ATENDIMENTO PSICOLÓGICO

Em outros recortes, a PNS detectou também que entre as pessoas com superior completo há maior autoidentificação como homossexual ou bissexual (3,2%), ocorrendo o mesmo com a renda per capita. A proporção é de 3,5% dos brasileiros que se assumem como LGB e ganham acima de 5,5 salários mínimos, ante o 1,3% dos que ganham menos de meio salário mínimo. O tamanho desse abismo se revela também entre os 2% da população urbana ante o 0,8% dos que moram em zonas rurais.

O País já produz estudos relacionados a essa temática da diversidade, como as estatísticas oficiais de registro civil, que indicam que houve 757 mil casamentos no ano de 2020, mas apenas 6.433 foram entre pessoas do mesmo sexo. Já a PNS, por possuir um caráter nacional, permitirá que o Brasil compreenda como atender melhor as especificidades de cada público em questões como acesso ao serviço de saúde e a violência de gênero dessa população, muitas vezes maltratada até na hora de acessar os serviços de saúde.

Doar sangue, um ato para ajudar outras pessoas, ainda é visto com discriminação por parte de alguns profissionais quando se trata de pessoas do público LGBTQIA+.

Doadora de sangue, Júlia Roberts de Souza, de 22 anos, é pansexual e quase foi barrada da última vez. O motivo? Sua orientação sexual fez os profissionais acharem que ela tem DSTs, mesmo quando apresenta os exames em dia. Antes das doações, ela não declarava sua orientação (“pansexual”, que na PNS é identificada como “Outra”), e acredita que por essa razão não enfrentava problemas.

“Na semana passada, fui doar, e a mulher foi bem rude em relação a isso. Eles não escondem, mas também não falam diretamente. Sempre fecho a cara e eles falam ‘ah, você pode mesmo doar’. Sempre tem algum preconceito revestido. É ruim porque você está lá para ajudar alguém. Sofrer esse tipo de preconceito desmotiva”, afirma Júlia Roberts.

Desde muito cedo, Júlia passou por transtornos psicológicos e chegou a ter depressão e ansiedade. Aos 11 anos, ela se mutilava ao ouvir tantos comentários que negavam sua existência e temer ser descoberta pela família. “Você não consegue falar, se expor, contar o que sente; as pessoas não te escutam, só preferem te julgar. Eu não conhecia outra forma de lidar com isso.”

Com o passar dos anos, as crises tornaram-se mais intensas e numa dessas vezes ela acabou perdendo muito sangue. Ao ser levada ao hospital e levar nove pontos em seu braço, mais uma vez não se sentiu acolhida pelos profissionais de saúde. “Eles foram bem diretos, falaram que isso não era normal e que tinha um psicólogo no final do corredor.”

Crescida numa família tradicional evangélica, Júlia Roberts ainda viveu uma tempestade particular quando resolveu assumir sua orientação sexual. “Falaram que era um demônio. Disseram que era uma entidade que queria me arrastar. Foi tudo muito preconceituoso, humilhante. Isso me perturbou muito e aí até fui para o Eduardo Ribeiro [centro de tratamento psiquiátrico]”, conta.

Atualmente Júlia não frequenta mais o psicólogo nem o psiquiatra. Da última vez que foi ao Centro de Atenção Psicossocial, ela teve o atendimento negado.

“Disseram que eu tinha que ouvir vozes, ser perturbada e já quase ter partido para uma agressão em alguém. Desisti porque é muito difícil, não tinha mais vaga para mim e acabei sendo excluída”, afirma. Ao já ter buscado diversas formas para um atendimento digno, que não a discrimine por ser quem é, a jovem Júlia se questiona: “Que tipo de sistema é esse? As pessoas não querem te ajudar?”. A PNS, certamente, não é a solução, mas pode ser o começo para acolher a diversidade dos brasileiros.

Eduardo Nunomura e Wérica Lima – Jornalistas da Amazônia Real – Agência de jornalismo independente e investigativo criada por jornalistas mulheres em 20 de outubro de 2013, em Manaus, no Amazonas, Norte do Brasil. Sua missão é fazer jornalismo ético e investigativo, pautado nas questões da Amazônia e de seu povo. A linha editorial é voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. Matéria originalmente publicada em https://amazoniareal.com.br/pns-gays-lesbicas-bissexuais/.

http://xapuri.info/quando-a-sexualidade-era-celebrada-na-igreja/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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