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Marcha das Margaridas

Brasília: Agosto, Tempo de Margaridas

As flores coloridas dos ipês quebram a aridez e a secura de Brasília. As cores vibrantes acolhem margaridas brancas, amarelas, rosas, lilases, negras, vermelhas, silvestres, pequenas, grandes. Vindas do campo, das florestas e das águas, milhares e milhares de mulheres ocupam as largas avenidas da capital federal cantando “Olha, Brasília está florida, estão chegando as decididas. Olha, Brasília está florida, é o querer, o querer das Margaridas”.

A sociedade brasileira ainda possui arraigados valores sexistas. Persiste quem pense que as mulheres devem ser controladas e vigiadas no cumprimento de papéis sociais de gênero bem definidos e que não seguir padrões de aparência e de comportamento, e funções consideradas apropriadas, pode justificar o uso da violência psicológica e física.

Práticas opressivas com base no gênero não combinam com a luta e as conquistas femininas no que diz respeito ao trabalho, à educação, à convivência familiar e social. As mulheres promovem, então, com toda a sua criatividade, manifestações que possam fortalecer outros valores, forjando novos caminhos para a conquista da igualdade.

Realizada a partir de 2000, capitaneada por Raimunda Damasceno, com o objetivo chamar a atenção da sociedade e reivindicar novas conquistas para as mulheres do campo, a Marcha das Margaridas é uma ação estratégica promovida pela Contag, Federações e Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais. A seguir, Carmen Foro, então Secretária da recém-criada Secretaria de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag e hoje vice-presidenta da CUT, assume a tarefa de continuar dando visibilidade à luta das mulheres rurais. Em 2015, a 5ª Marcha das Margaridas é coordenada por Alessandra Lunas, Secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag, com admirável capacidade organizativa, se consolida como expressivo espaço para as mulheres do campo, da floresta e das águas expressarem suas reivindicações.

Nos dias 11 e 12 de agosto de 2015, as Margaridas de todo o país, acreditando no que diz Rosa Luxemburgo: “Quem não se movimenta não sabe as correntes que o prende”, seguem em marcha para fazer o Brasil avançar no combate à pobreza, no enfrentamento à violência contra as mulheres, na defesa da soberania alimentar e nutricional, na construção de uma sociedade sem preconceitos de gênero, de cor, de raça e de etnia, sem homofobia e pela superação da intolerância religiosa. A luta também é por políticas públicas que contribuam para um “Desenvolvimento Sustentável com Democracia, Justiça, Autonomia, Igualdade e Liberdade”, lema motivador da 5ª Marcha das Margaridas.

As mulheres do campo, das florestas e das águas exigem outro modelo de desenvolvimento, sustentável e solidário, que incentive as unidades produtivas familiares com capacidade de promover a soberania e a segurança alimentar dos povos; pedem acesso à terra, reforma agrária e reconhecimento dos territórios das comunidades indígenas e quilombolas; entendem a agroecologia como um modo de produzir, de se relacionar e de viver, pois acreditam que o ar, a água, a terra, as florestas são elementos fundamentais para a vida, e por isso bens comuns e não monopólio capitalista. Defendem o estabelecimento de novas formas de relação com o mercado, baseadas em valores de cooperação, troca e solidariedade, valorizando a diversidade produtiva, a pesca artesanal e a participação das mulheres. As feiras agroecológicas, os pequenos e médios varejos, as cooperativas, os grupos de consumidoras e consumidores, o mercado institucional precisam ser fomentados e fortalecidos.

As mulheres em marcha denunciam a educação sexista que reforça a visão compartimentada das pessoas, fortalece a submissão das mulheres, reproduz o machismo e o racismo, e contribui para a manutenção da violência contra as mulheres e da homofobia. Pedem o rompimento com o atual modelo de educação e a construção de um processo educativo que fomente a igualdade entre mulheres e homens, reconhecendo e respeitando as diferenças; elas afirmam que a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um ser humano é um grande processo de convívio que se dá em todas as esferas da sociedade: família, escola, igreja, trabalho, sindicato, associação. Querem e constroem relações respeitosas e igualitárias entre homens, mulheres, jovens, idosas/os, e com a natureza.

As Margaridas nos ensinam que saúde significa cuidar de sua família e também delas próprias, com bem estar e equilíbrio entre corpo e mente. Essa harmonia depende da garantia de uma vida digna propiciada por políticas públicas que promovam trabalho, renda, educação, moradia, saneamento, alimentação, lazer, transporte, segurança. Dizem também que o direito à saúde reprodutiva, com informação adequada, tratamento médico e humano na gravidez, no pré-natal, no parto e no aborto são fundamentais, conscientes de que são donas do seu tempo, dos seus corpos e de suas vidas.

alessandra-lunasAs mulheres brasileiras representam metade da população, estão sub-representadas nas instituições de poder e ainda são minoria na direção dos partidos políticos, das organizações sociais e sindicais. As Margaridas denunciam que os espaços de representação são ocupados pela elite masculina, proprietária e branca. Querem, então, a participação política efetiva e igualitária das mulheres como condição fundamental para o fortalecimento da democracia.

Com o lema “Margaridas seguem em Marcha por Desenvolvimento Sustentável com Democracia, Justiça, Autonomia, Igualdade e Liberdade” as mulheres novamente ocupam as ruas para protestar contra as desigualdades sociais, denunciar todas as formas de violência, exploração e dominação e apresentar propostas para avançar na construção da democracia e da igualdade. Cabe a todos nós recebê-las, acolher suas reivindicações, reconhecer a justeza de suas causas e prestar-lhes nossa homenagem pela coragem, altivez e dignidade com que lutam por um país generoso, igualitário e justo, capaz de oferecer felicidade a todas e todos.

Aprendamos, pois, a lição de Cora Coralina, trazida nas mãos e corações dessas Margaridas Mulheres: “Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.” E a nós outros cabe a admiração, porque margaridas são singelas, mas são sobretudo fortes, capazes, sinceras, cidadãs que exercem seus direitos e exigem respeito, autonomia e igualdade. Afinal, “somos todos e todas margaridas”!

Foto-de-Margarida

Quem foi Margarida Alves

Marcha das Margaridas: um legado e uma homenagem

Margarida Maria Alves é uma lembrança viva de coragem e dedicação à luta das mulheres por terra, trabalho, igualdade, justiça e dignidade. Uma dirigente sindical à frente de seu tempo que rompeu com os padrões tradicionais de poder ao ocupar por 12 anos a presidência do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alagoa Grande, no estado da Paraíba. Assassinada brutalmente por usineiros da Paraíba em 12 de Agosto de 1983, Margarida Alves tem em sua trajetória a luta contra a exploração, pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, contra o analfabetismo e pela reforma agrária. Uma verdadeira educadora popular, Margarida Alves deixou um legado de ousadia, coragem e entrega. É uma luz pulsante no coração, nos pés firmes em marcha, nos chapéus, nas canções e na luta de cada margarida, de toda a Marcha das Margaridas.

Marcha da Margaridas

Promoção: Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Fetags – Federações de Trabalhadores na Agricultura, STTRs – Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais.

Parcerias: MMM – Marcha Mundial de Mulheres, AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras, UBM – União Brasileira de Mulheres, MMTRNE – Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste, CNS – Conselho Nacional das Populações Extrativistas, MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, MAMA – Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia, GT Mulheres da ANA (Articulação Nacional de Agroecologia), UNICAFES – União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária, CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, CUT – Central Única dos Trabalhadores.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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