Brasília: Mudanças radicais e o portal da Sapopema

: Mudanças radicais e o portal da Sapopema

Por: Altair Sales Barbosa

Inaugurada em 21 de abril de 1960 para ser a Capital Federal, Brasília, tal qual um portal invisível, como o Portal da Sapopema da mitologia brasileira, permitiu quase de repente a passagem de uma realidade para outra, de dimensões e possibilidades incomensuráveis, não permitindo as acomodações e adaptações para a absorção dessas novas realidades.

Isso provocou de imediato uma intensa migração interna de pessoas oriundas de outras partes do país, que se deslocavam até o em busca de empregos, negócios e outras oportunidades. Causou, também, no início, um impacto acanhado ao natural e social, que tomou proporções incalculáveis à medida que o foi passando e as estruturas foram se sedimentando.

Esse impacto é o resultado da criação de infraestruturas básicas, viárias, energéticas, de mudanças de comportamento etc. Porém, isso atingiu sinais de descontrole uma década depois, com a entrada em larga escala do capital multinacional, que muda radicalmente a configuração do Cerrado.

Entretanto, embora Brasília tenha sido construída em tempo recorde, quase como num passe de mágica, a ideia da mudança da Capital Federal do litoral para o centro do Brasil não aconteceu de repente; ao contrário, é um fato que veio ganhando corpo desde o final do século XIX até meados do século XX. Alguns elementos são cruciais à compreensão e concretização dessa ideia. Parte da iniciativa foi muito bem planejada, mas alguns elementos inusitados e fundamentais necessitam ser devidamente pontuados. O primeiro desses elementos trata-se do “Sonho de Dom Bosco”.


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O SONHO DE DOM BOSCO

São João Bosco, padre italiano nascido na cidade de Castelnuovo D´Asti em 1815, e que viveu até 1888, foi fundador da Pia Sociedade São Francisco de Sales, também conhecida como Ordem ou Congregação Salesiana. Alguns relatos sobre sua biografia reportam que desde os nove anos de idade ele tinha visões que se manifestavam através dos sonhos.

Num desses sonhos, vê uma cidade sendo erguida no centro da América do Sul, ao lado de um lago, entre os paralelos 15º a 20º sul, que basicamente corresponde ao espaço geográfico onde mais tarde seria construída Brasília. Segundo o sonho,essa localidade, que seria o “Paraíso”, possuía vários elementos simbólicos que podem ser confundidos com fartura. Não se sabe até que ponto o sonho de Dom Bosco influenciou os intelectuais e políticos brasileiros.

O fato é que quando os militares – chefiados pelos Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, com o apoio da elite urbana e agrária do país, e por parte da igreja católica, descontentes com a libertação dos escravos – proclamaram a República em 1889, retirando do trono Dom Pedro II e todos os seus aliados, colocaram na primeira Constituição Republicana, promulgada em 1891, a ideia da mudança da Capital Federal do Rio de Janeiro para o Planalto Central do Brasil.

Ali seria cartografado um quadrilátero para, no futuro, ser construída a Capital do Brasil. Para a demarcação desse quadrilátero, era necessário um trabalho envolvendo especialistas tanto em Topografia como em Engenharia, Botânica, Geologia, e outros ramos da História Natural. Para a finalidade, foi criada a que mais tarde seria conhecida como a Expedição Cruls, pois teve no seu comando Luís Cruls.

A EXPEDIÇÃO CRULS

Louis Ferdinand Cruls nasceu na Bélgica em 1848 e morreu em Paris, em 1908. Era um astrônomo de respeito internacional. Como profissional, viveu a maior parte de sua no Brasil, onde era conhecido pelo nome de Luís Cruls. Amigo do Imperador D. Pedro II, dele aceitou o convite para dirigir o Observatório Astronômico do Rio de Janeiro.

Antes, porém, já havia realizado alguns outros trabalhos em território brasileiro. Quando a República do Brasil foi proclamada, os militares exilaram diversos amigos de D. Pedro II, ou opositores ao novo sistema político. Entretanto, os líderes da República não quiseram ficar órfãos dos conhecimentos e da utilidade de Luís Cruls, mas também não consideraram prudente que ele ficasse no Rio de Janeiro.

Criou-se então uma comissão para explorar o Planalto Central e estabelecer as bases para a instalação da futura Capital, como previa a Constituição Republicana de 1891. O comando dessa exposição foi dado a Luís Cruls, numa espécie de exílio disfarçado. Cruls, então, chefiando uma grande missão de especialistas, montou sua base na cidade de Pirenópolis, em Goiás.

E, a partir daquele local, realizou vários estudos na região, incluindo o trabalho topográfico que resultou na demarcação do quadrilátero onde seria construída Brasília. Após longos estudos na região, a comissão Cruls coletou uma série de dados que lhe permitiu a elaboração de um minucioso relatório contendo informações sobre Climatologia, Hidrografia, Geologia, Botânica, Zoologia, e Geodesia.

A demarcação do quadrilátero foi definida tendo as seguintes coordenadas geográficas: ponto Noroeste NW 15º 10′ latitude sul e 3h 15′ 25” de longitude oeste; ponto Nordeste NE 15º e 10” latitude sul e 3h 09′ 25”de longitude oeste; ponto sudoeste SW 16º 08′ 35” de latitude sul e 3h 09′ 25” de latitude oeste. Observa-se que o sistema adotado registrava as longitudes em horas, a partir de Greenwich , e não em graus.

Como cada hora corresponde a 15 graus, é fácil fazer a correção. Entretanto, no período de mais de um século, torna-se necessário corrigir as distorções causadas pelo polo magnético da Terra. Esse foi na verdade o primeiro trabalho concreto sobre a transferência da capital, já que o tema, embora muito discutido desde a chegada de D. João VI ao Brasil, em 1808, merecendo até um estudo aprofundado do historiador e diplomata Varnhagen (1877), não passava de pura questão teórica.

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A FUNDAÇÃO BRASIL CENTRAL

A ideia da mudança da Capital continua sendo mantida constitucionalmente com a promulgação da nova Constituição da República de 1934. Com o surgimento da Segunda Guerra Mundial, cresce o desejo e talvez a necessidade da conquista de espaços no interior do Brasil, associados sempre à mudança da nova capital.

Entretanto, os “sertões de dentro” eram quase que desconhecidos, desprovidos de infraestrutura básica e povoado por índios, muitos dos quais situados em áreas estratégicas do ponto de vista do avanço da ocupação “nacional”, além de arredios, o que colocava em perigo a interiorização ou ocupação definitiva do interior do Brasil. Dessa forma é criada a Fundação Brasil Central, em que tem papel de destaque o coronel Vanique e o sertanista – e mais tarde professor – Acary de Passos Oliveira.

A Fundação Brasil Central estrutura diversas expedições, dentre elas a Expedição Roncador-Xingu, na qual se destaca a participação dos irmãos Vilas-Boas – Leonardo (1918-1961), Claudio (1916-1998) e Orlando (1914-2002). Mais tarde, surge a expedição chefiada por Francisco Meirelles, que pacifica os Xavante em Mato Grosso e, tempos depois, continua com o mesmo tipo de trabalho na área que hoje corresponde ao estado de Rondônia.

Foto 03

 

A MISSÃO RONDON

Quase na mesma época, é bom que se destaque, teve início a que mais tarde seria conhecida como Missão Rondon (início do século XX). Chefiada por Cândido Mariano da Rondon, essa missão tinha como objetivo principal o estabelecimento de uma linha telegráfica que ligasse o estado de Goiás e Mato Grosso, para mais tarde estendê-la até o então Território de Guaporé, atual estado de Rondônia.

Constava também de seus objetivos a abertura de estradas ligando Cuiabá ao centro do país e o contato com índios arredios, dentre os quais os Pareci, os Nambiquara, os Parintintin, os Pakaá-Novo, os Xavante etc. que se encontravam no caminho das linhas telegráficas. Nota-se que já se encontravam em marcha desde o início da República trabalhos visando a conquista do interior do Brasil.


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A EXPEDIÇÃO RONCADOR-XINGU

Na introdução do seu livro “Roncador-Xingu – roteiro de uma expedição”, o professor Acary de Passos Oliveira (1976, p. 11) ressalta: A imprensa brasileira agitou a opinião pública, dedicando uma série de artigos à Expedição que se organizava por iniciativa do coordenador da Mobilização Econômica, Ministro João Alberto Lins de Barros, e colaboração com o Ten. Cel. Flaviano de Matos Vanique, Francisco Brasileiro e outros.

As críticas variavam de um jornal para outro. Havia comentários construtivos, nos quais escritores e jornalistas estimulavam os expedicionários, com palavras entusiásticas, cheias de fé e civismo, concitando-os a levar avante essa feliz iniciativa, de uma finalidade tão profunda, vez que iriam desbravar regiões até então desconhecidas e auxiliar na formação de um Brasil maior.

Outra corrente atacava sem dó nem piedade os iniciadores da arrojada empresa, alegando dentre outras razões que a expedição iria provocar o ódio sempre latente entre os indígenas, habitantes da região que seria palmilhada, prejulgando o início de uma cruenta guerra de extermínios entre brancos e índios. Várias entrevistas foram concedidas pelo Ministro João Alberto e Cel. Vanique sobre os motivos que determinaram a Expedição – a abertura de uma estrada que fizesse a ligação do Sul com o Norte, fixando núcleos populacionais ao longo da futura estrada que seria aberta.

Essa a versão oficial; outra, entretanto, era a finalidade – vários navios brasileiros estavam sendo torpedeados na costa Brasileira e, após a vigésima terceira vítima, afundada nas proximidades de Cabo Frio, as autoridades de cúpula, presente o Estado Maior do Exército, chegaram à conclusão sobre a vulnerabilidade do Governo Federal no Rio de Janeiro, ou em outro qualquer ponto do litoral. Em caso de ataque, para onde transferir a sede do Governo?

Entre outras sugestões, corporificou a de se construir uma estrada interiorana, para, se necessário, o Poder Central se deslocar para lugar que oferecesse melhor proteção. Esse o motivo principal da criação da Expedição, que recebeu a denominação de Expedição Roncador-Xingu, tendo-se em vista o roteiro traçado para a sua execução.

Para decepção daqueles que ainda tinham dúvidas sobre a viagem do audacioso de penetração, em curto período transformado em realidade, houve na Basílica de São Bento, no coração de São Paulo, no mesmo local onde há centenas de anos passados, as Bandeiras que se destinavam aos sertões desconhecidos, em busca de riquezas e sonhos, recebiam as bênçãos celestiais e a de maiores felicidades em toda a jornada, um solene Te-Deum, oficiado pelo Abade-Prior, acompanhado de um coro de centenas de vozes, enquanto era abençoado o Pavilhão Nacional, bordado a ouro por mãos carinhosas das senhoras paulistas e entregue ao Ministro João Alberto, que o transferiu para um membro da Expedição.

Ao término da cerimônia, o Dr. Godofredo da Silva Teles proferiu vibrante alocução, da qual conseguimos gravar o seguinte trecho referindo-se ao Pavilhão Nacional: Levantai-o seguidamente, sobre os campos e matas de nossa terra. Levantai-o nos sertões do Araguaia, no Rio das Mortes e no Xingu…E ao término vitorioso da jornada, levantai-o, sobretudo nos cimos lendários da Serra do Roncador, para onde se dirigem nossas esperanças de pioneiros.Alçai-o mais e mais, tanto quanto puderes.

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O simbolismo da bandeira, erguida no clarão radiante das alturas, dar-vos-á, para sempre, o sentido da nossa obra em favor da nossa Pátria. Terminada a belíssima e comovente solenidade, os expedicionários, muitos dos quais filhos de Piratininga, embarcaram por via férrea com destino à cidade de Uberlândia, no estado de Minas Gerais, prosseguindo em caminhões e jardineiras para o povoado conhecido como Barra do Garças, hoje “Aragarças”, ponto escolhido para o início dos trabalhos de penetração do desconhecido.

A ideia da mudança da capital do litoral para o interior continua cada vez mais forte, juntamente com os processos de interiorização do país. Nessa ótica, a Constituinte de 1946 mantém viva essa chama e, entre este ano e o ano de 1953, várias comissões de localização do sítio para a possível construção de uma nova capital no interior do país foram organizadas.

A última foi no governo do Presidente Café Filho e teve como seu coordenador o Marechal José Pessoa – 1954, do Serviço de Cartografia do Exército. Integrava essa comissão o urbanista Affonso Eduardo Reidy. Tal comissão vai ser a responsável pela escolha definitiva do local onde hoje está implantado o Plano Piloto, dentro do antigo quadrilátero estabelecido anteriormente por Cruls.

A PEDRA FUNDAMENTAL

Também merece destaque, entre os fatos que foram consolidando a mudança da Capital, o projeto do deputado federal por Goiás, Americano do Brasil, por ocasião das comemorações do centenário da Independência, em 1922.

O projeto inclui, entre as comemorações, o lançamento da Pedra Fundamental da nova capital. Aprovado o projeto, em 18 de janeiro de 1922, o Presidente Epitácio Pessoa baixou o Decreto 4.494, determinando o assentamento da Pedra Fundamental, sendo designado como encarregado da tarefa o engenheiro Balduíno Ernesto de Almeida, diretor da Estrada de Ferro de Goiás, com sede em Araguari, Minas Gerais. Em 7 de setembro de 1922, a Pedra Fundamental foi assentada no Morro do Centenário, a 9 km da cidade de Planaltina, a mais antiga do Distrito Federal.

O FATOR JK

Em 1955, Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK), que havia sido prefeito de Belo Horizonte (1940/45) e governador de Minas Gerais (1951/55), com apoio de políticos mineiros, dentre os quais Benedito Valadares, inicia um processo para se candidatar à Presidência da República pelo Partido Social Democrata (PSD).

Juscelino teve por concorrentes o General Juarez Távora, pela União Democrática Nacional (UDN); Ademar de Barros, pelo Partido Social Progressista (PSP), e Plínio Salgado, pelo Partido Republicano Popular (PRP). Ou seja, JK enfrentou uma eleição muito concorrida. As chances de Juscelino não eram tão boas, pelo menos no início da campanha, embora ele viesse acompanhado da fama de ser grande inovador e bastante dinâmico nas suas administrações em Minas Gerais, e, também, como deputado.

Foi nesse contexto que surgiu a figura de Serafim de Carvalho.

SERAFIM DE CARVALHO E O COMÍCIO QUE NÃO HOUVE EM JATAÍ

Serafim de Carvalho, nascido em Jataí, Goiás, cursou medicina na Universidade Federal de Minas Gerais, em meados da década de 1930, sendo contemporâneo de Juscelino, que também cursava Medicina na mesma Universidade. Embora não fossem da mesma turma, entre
ambos surgiu uma forte amizade, que aumentou quando os dois fizeram a residência médica no Hospital São Lucas, em Belo Horizonte.

No seu retorno a Jataí, Serafim de Carvalho entrou quase que acidentalmente na , organizando o PSD local, em oposição à forte pressão que Jataí sofria de Rio Verde, cidade vizinha. Como político, Serafim de Carvalho fez como seu candidato, o governador de Goiás, José Feliciano Ferreira, que governou o estado de 1958 a 1960, mostrando grande pujança administrativa. Quando Serafim soube das pretensões de Juscelino, exigiu dele que o lançamento da campanha se desse em Jataí.

E assim, naquela cidade, foi preparado um grande palanque na praça, hoje denominada Diomar Menezes.

A PERGUNTA DE TONIQUINHO JK

Entretanto, na hora do comício, caiu uma tromba d’água na cidade, impedindo a realização do evento naquele local. Por iniciativa de Serafim de Carvalho, JK foi encaminhado para um galpão, onde funcionava uma oficina mecânica. No local havia um caminhão, que estava ali para ser consertado. A chuva foi responsável pela dispersão da multidão.

Porém, algumas pessoas acompanharam o candidato até o galpão. Dentre essas pessoas estava Antonio Soares, que mais tarde ficaria conhecido como Toniquinho JK. Já no galpão, Juscelino subiu na carroceria do caminhão, juntamente com outros políticos, se propôs a não fazer discurso e, em vez disso, a dialogar com a plateia. Uma das intervenções foi a de Antonio Soares, que indagou o candidato se, caso eleito, cumpriria a Constituição Federal, ao que Juscelino respondeu prontamente que sim.

Diante da resposta de Juscelino, Antonio Soares continuou: “A Constituição reza que a Capital Federal deve ser transferida para o Planalto Central. O senhor é capaz de tal empreendimento?” Naquele momento, possivelmente, um brilho diferente deve ter saltado dos olhos de JK. Embora como prefeito e governador Juscelino tenha ficado conhecido como um grande tocador de obras, não constava no seu “Plano de Metas” a construção da nova Capital, pois ele sabia das dificuldades e da oposição que enfrentaria dos políticos e diretores das empresas estatais acomodadas no Rio de Janeiro.

Todavia, Juscelino deve ter se recordado da Pampulha e das pessoas geniais que o acompanhavam – Oscar Niemeyer, Cândido Portinari, Darci Ribeiro etc. Assim, do improvisado comício, JK surge com uma nova visão sobre seu “Plano de Metas”, e passa a empunhar a bandeira da construção da nova Capital, que seria denominada de Brasília e não de Vera Cruz. Ao empunhar tal bandeira, a candidatura de Juscelino Kubitschek de Oliveira ganhou novo impulso e começou a contagiar líderes políticos e eleitores de fora do eixo Rio – São Paulo.

Consta que o nome Brasília já fora mencionado por José Bonifácio, o patriarca da Independência, em 1823, e que a data da inauguração de Brasília, 21 de abril de 1960, foi uma homenagem do Presidente Juscelino a Tiradentes.

Altair Sales Barbosa Antropólogo. Arqueólogo – em “O Piar da Juriti Pepena” –Editora PUC Goiás – 2014.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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