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Brasília, rica e bela aos 63, é mesquinha para quem mora na periferia

Brasília, rica e bela aos 63, é mesquinha para quem mora na periferia

É preciso falar sobre Brasília. É preciso escrever sobre Brasília. É preciso dizer que, 63 anos depois, a capital do Brasil continua refletindo um sonho modernista, mas a realidade das demais cidades que a cercam (e o verbo cercar aqui vem a calhar) é mais próxima da distopia do que da utopia que alimentou a sua construção.

Por Beto Seabra/LeitoresSemFim 

Trinta e cinco anos depois repito o trajeto entre o final da Asa Norte, onde moro, e o Congresso Nacional, onde trabalho, e levo praticamente o mesmo tempo. A única diferença é que mais carros entopem os estacionamentos, mas as vias continuam rápidas e perigosas, especialmente para os pedestres.

Para quem mora longe do Plano Piloto e usa automóvel, as vias se parecem com as das outras grandes cidades, com quilômetros diários de lentidão. Quem necessita de ônibus, precisa esperar uma eternidade no ponto, rezar para o baú parar e enfrentar também longos engarrafamentos.
 
 Enquanto eu levo 20 minutos, todos os dias, na ida e na volta, para me deslocar 12 km entre a casa e o trabalho, a Maria, que mora no Entorno, leva duas horas e meia por um percurso de 42 km. Isso quer dizer que das 24 horas diárias de sua vida, Maria gasta 300 minutos para ir e voltar do trabalho, enquanto eu levo, no máximo, 40 minutos.
 
 Se tivéssemos um transporte coletivo público decente, que fizesse esse trajeto que Maria faz todos os dias, ela poderia levar no máximo 60 minutos para chegar ao trabalho. Estamos devendo a ela pelo menos 180 minutos por dia, cinco vezes por semana, de tempo livre para viver.
 
 Mas não é só o transporte. Enquanto a grande maioria dos moradores de Brasília têm bons hospitais privados e uma rede de saúde pública razoável, quem mora longe do Plano Piloto perde muitas horas nas filas para ser atendido por um médico, isso quando consegue ser atendido.
 
 O Plano Piloto também tem muito mais verde do que as demais cidades, as escolas (mesmo as públicas) são melhores do que as do restante do Distrito Federal, e as ruas são mais bem iluminadas (já foram melhores nesse quesito, no passado) e a polícia está mais presente, apesar da violência urbana ser muito maior fora do Plano.
 
 Por que chegamos a essa situação?
 
 Brasília – aqui entendida como sinônimo de capital da República e, portanto, abrangendo todo o DF – é um lugar rico e próspero. Temos uma renda per capita alta e o Orçamento do Governo do Distrito Federal para 2023 é de aproximadamente R$ 57,3 bilhões. Somos uma unidade da federação rica, mas com a qualidade dos serviços públicos abaixo da crítica, pelo menos para a maioria da população.

Alagoas, que tem uma população um pouco maior do que a nossa e mais de cinco vezes a nossa área, por exemplo, tem um Orçamento de cerca de R$ 18 bilhões, ou menos de um terço do Orçamento do DF. É preciso dizer que esse Orçamento da capital da República é formado por arrecadação própria (R$ 34,4 bilhões) e os repasses da União via Fundo Constitucional do DF (R$ 22,9 bilhões), para manter as áreas de Segurança, Saúde e Educação.

Brasília, portanto, pelo que arrecada e o que recebe, deveria ser um exemplo em prestação de serviços públicos, certo? Deveria, mas não é. Pergunto de novo: por quê?
 
 Aos 63 anos, Brasília precisa mais do que de comemorações. É preciso refletir urgentemente sobre a sua missão de ser um modelo para o restante do País. Se não conseguimos fazer da nossa capital, onde existem recursos e condições, um lugar onde a Justiça Social impere e o Estado preste serviços públicos de qualidade a todos os moradores, então é porque continuaremos fracassando, independente de quão ricos sejamos num futuro próximo.
 
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A foto de Ana Volpe, da Agência Senado, mostra Brasília em toda sua esplêndida beleza, com as vias desafogadas, ainda que repletas de automóveis. A realidade na periferia é muito diferente.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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