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Brincadeiras, arte e cores expressam o pensamento Yawanawá – 12º Festival Yawa

Dizem que os olhos são a janela da alma. Talvez porque, assim como as janelas, refletem o que está no interior. Uma janela, diferente da porta, só pode ser aberta por dentro. E quando aberta, permite que o interior da casa seja visto, ao mesmo tempo em que é de onde se observa o mundo lá fora, ou pode-se ter uma bela conversa com quem mora ao lado. É com esse sentimento de troca de olhares entre vizinhos que chegamos ao nosso terceiro e último diário de bordo sobre o Festival Yawa.

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Kenê Yawanawá

Durante uma manhã inteira, Márcia da Silva Yawanawá, 33 anos, que está grávida do 6º filho, não parou de trabalhar. Ela é uma das pessoas que faz a pintura corporal tanto dos indígenas quanto dos visitantes. Desde pequena, quando começou a tomar o uni (ou “”, bebida sacramental de vários povos amazônicos e andinos), começou a fazer essas pinturas chamadas “kenês”. A arte aprendeu com uma tia. Dois dos filhos já seguem seu exemplo. “É um dom que a gente tem. Quando você cria, vem mais ainda. E isso traz mais criatividade, mais experiência”, diz.

Em geral, os kenês representam animais ou objetos presentes no dia a dia de quem vive na floresta. Alguns dos desenhos mais comuns são borboleta (“awavená”), cobra (“runuwa”), peixe (“washushaká”) e lança (“paspy”). “Nós olhamos para a pessoa, a pessoa que merece ter aquela pintura, você olha a pessoa, vê que a pessoa tem isso e coloca a pintura”, revela.

As cores podem vir do jenipapo, tom escuro e que dura mais de uma semana na pele, ou a cor vermelha obtida com o urucum, que sai mais rápido. Um palito, linha de costura, um pequeno recipiente e, claro, habilidade são os instrumentos para essa arte.

Além da pintura corporal, também é parte da programação a exposição do artesanato local. Pulseiras e tornozeleiras mostram a diversidade dos kenês. Há ainda colares de miçangas ou sementes. As penas de aves fazem parte dos cocares, brincos e acessórios para cabelo. É um festival de cores!

 

Brincando a gente se entende

“O Festival é um momento de relembrar nossa origem, nossa , de fazer uma reflexão e não perder esse contato, essa harmonia com a natureza, a maneira como o yawanawá se organiza”, diz Shaneihu Yawanawá.

Entre os vários momentos que lembram como o yawanawá se comportava há milhares de anos, há o ritual do peixe-boi. Quando há desavenças entre eles, resolvem assim: chamam a pessoa que ofendeu para o centro da roda formada pela comunidade. Então, com o talo da bananeira, cada um pega uma espécie de chicote com que bate nas costas do oponente duas vezes. O outro faz o mesmo. E assim o problema é resolvido. “É para mostrar que, como homens responsáveis, eles são capazes de resolver suas desavenças sem ofender o outro, sem se intrigar”, explica Biraci Júnior, liderança jovem.

Após os golpes, as mulheres, especialmente as irmãs, entram na roda e retiram aqueles que apanharam. “Tá bom, nós perdoamos vocês, então venham com a gente,” continua explicando Biraci.

Crianças, mulheres e visitantes também podem participar desse ritual de superação de desavenças. A oportunidade é concedida como uma honra: “Vocês vêm, trazem ensinamentos, trazem coisas boas para a gente. E o que a gente tem a devolver é isso, é compartilhar o que nós temos de melhor” conclui.

Outra parte tradicional do festival são os cantos e danças. Uma delas é kurainonodê. “É uma dança para a gente se divertir, a menina dançar com o rapaz”, explica a adolescente de 13 anos Luiza Rodrigues Yawanawá. Além de ser um momento de diversão, a atividade também é encarada como uma apresentação. “A gente dança, a gente brinca, pula, para dar o melhor para as pessoas verem. Não só do nosso povo, como vocês também que vêm de fora. Ah, é um orgulho, a gente fica muito animado”, finaliza.

Além de visitantes de mais de 20 países e diversos estados brasileiros, participaram do festival representantes de outros do Acre e também do vizinho Peru. “É o fortalecimento interno da do povo yawanawá. E essa troca de cultura com outros povos também possibilita pessoas de outros países, de outros estados também ver a realidade da cultura do povo do Estado do Acre” diz Zezinho , assessor de Assuntos Indígenas do Acre. “Hoje nós temos o fortalecimento cultural dos povos indígenas do Estado. Tivemos recentemente encontros dos povos Nukini, Nawa e Puyanawa”, finaliza.

E depois de tantas cores, formas e cenas novas, não há como não fechar os olhos e ficar revendo aquelas imagens mesmo há quilômetros e dias de distância da Aldeia Nova Esperança, em Tarauacá, onde foi realizada a 12ª edição do Festival Yawa.

Para nós fica a saudade, ou a palavra yawanawá para esse sentimento do que provamos e aprovamos: “kanarô”!

Kanarô, Txai!

Fonte: Agência Acre


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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