Cabul, a vida entre uma explosão e outra

Cabul, a  vida entre uma explosão e outra

Carlos Alberto Mattos/Brasil 247

Segundo dados da ONU, no ano de 2018, quando foi gravado este documentário, o Afeganistão teve o maior número de civis mortos na última década: 3804, sendo 927 crianças. Mas o filme de estreia de Aboozar Amini não mostra nenhum cadáver, nenhuma situação de pavor e apenas o ruído de uma única explosão a certa distância. O documentário Cabul, Cidade no Vento (Kabul, City in the Wind) está interessado na vida que medra entre uma bomba e outra.

E o faz mostrando vinhetas do cotidiano de Abbas Tanay, motorista de ônibus metido numa trapalhada, e as crianças Afshin e Benjamin Amiri, filhos de um soldado que precisam se virar sozinhos. Abbas comprou seu ônibus particular a prestações e, impossibilitado de pagar, provocou um defeito no motor do qual agora não consegue se livrar. O veículo está caindo aos pedaços, e Abbas tenta administrar sua dívida do jeito que pode, entre pedidos de empréstimo, dependência de drogas e inveja da mulher que tem uma pequena renda garantida.

Afshin e Benjamin, por seu turno, rondam pelas ribanceiras de uma periferia poeirenta no verão e nevada no inverno. O maior arrasta o menor com um misto de cuidado e brutalidade. Atirar pedras ao léu parece ser a diversão predileta para crianças que vivem sob a ameaça constante de um inimigo que ainda não compreendem (o Talibã e o Estado Islâmico, então escondidos nas montanhas). 

Aqui e ali, Aboozar Amini troca a observação das ações por depoimentos frontais dos personagens, quando eles condensam suas preocupações com uma gravidade impressionante. Ao mesmo tempo que dimensiona a tragédia do Afeganistão nesse nível da vivência individual, Cabul, Cidade no Vento expõe exemplos extraordinários de vitalidade e sobrevivência. Com a volta do Talibã em agosto último, os ventos de Cabul certamente não são mais os mesmos.


Ao mesmo tempo que dimensiona a tragédia do Afeganistão a nível da vivência individual, o documentário “Cabul, Cidade no Vento” expõe exemplos extraordinários de vitalidade e sobrevivência

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação. 

Resolvemos fundar o nosso.  Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.

Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.

Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e,  enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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