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“Sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”

“Sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”

“Sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas” – Memórias do Descobrimento: Com este excerto  da Carta de Pero Vaz de Caminha, encaminhada ao rei de Portugal, Dom Manuel I, em 1o de maio de 1500, dando conta do avistamento dos primeiros indígenas brasileiros pelos navegantes das 13 caravelas portuguesas, comandadas por Pedro Alvares Cabral, em 22 de abril de 1500, retratamos um pouco da trajetória humana de encontros e desencontros que resultaram na formação do nosso povo brasileiro. Segue o texto de Caminha:

“Avistamos homens que andavam pelas praias […] E  o Capitão mandou em terra Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia homens, aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte. Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos e suas setas […] E Nicolau Coelho lhes fez sinal para que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pode lhes haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sobreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas d'ave, compridas, com uma capazinha pequena de penas vermelhas e pardas, como de papagaio.  E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas, quer querem parecer de aljôfar”[…Arte - Arissana Pataxó

Assim começou nossa história, no litoral da Bahia, com um branco mandado à terra para o primeiro contato com os Pataxó, os da costa baiana na nova terra descoberta.  Um contato sem falas, mas com troca de presentes. Um encontro curioso e cortês, um imenso infinito de descobertas, pelo que descreve a Carta de Pero Vaz de Caminha.

Foi-se, porém, a era ingenuidade e da surpresa.  Há mais de 500 anos, o estrangeiro  recebido com cortesia naquele abril de 1500 tornou-se o opressor, do dono da Casa Grande, o algoz da Senzala,  o membro de uma elite que, ainda hoje, em pleno século XXI,  mesmo quando nascida no , de pai e mãe tupiniquim, toma sempre o lado da opressão. Com isso, sofrem os pobres e oprimidos, os excluídos da casta superior. Com isso,   sofrem e morrem nossos povos originários, sob as dores de um maltratar sem fim, no solo do Brasil, a nossa pátria-mãe, gentil.

 

Arissana Pataxó, artista indígena, finalista do Prêmio Pipa 2016

Carta de Caminha, excerto em edição de John Hemming no livro Ouro Vermelho – A Conquista dos Índios Brasileiros, volume I,  Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura,  EdUsp, 2007.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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