Curiosidades sobre cantigas brasileiras
Jó tinha escravos? Onde fica o Itororó? E o peixe fora d’água?
“É impossível identificar os compositores das cantigas infantis populares”, sentencia Luís da Câmara Cascudo, o maior folclorista brasileiro. Pois, dizia ele, “elas não têm sua autoria identificada e são continuamente modificadas, adaptando-se à realidade do grupo de pessoas que as cantam.”
Ainda assim, ele tinha uma pista sobre a origem inicial da maioria das cantigas de roda frequentes no país. No livro “Antologia do Folclore Brasileiro”, afirma que vinham de Portugal e Espanha. Claro que negros africanos brincavam em roda, mas a cultura europeia acabou sobreposta, pela forma de colonização.
Mesmo modificado a cada tempo e região, o repertório infantil popular, no entanto, persiste. A ponto de netos e avós serem formados com melodias semelhantes e poderem compartilhar este conhecimento durante a infância dos mais novos.
Até o entretenimento industrializado (televisão, DVDs), que já foi entendido como “ameaça” à cultura popular e ao brincar na rua, hoje ajuda a fortalecer a partilha das cantigas clássicas, com novas gravações e versões. O certo é que o apelo dessas melodias com os mais novos não se esgota.
Veja curiosidades sobre algumas delas:
Hemingway tentou aprender Escravos de Jó cantigas
Toda criança brasileira aprende, em algum momento, a fazer a brincadeira em que se movimenta objetos com as mãos enquanto se entoa a cantiga Escravos de Jó. O correspondente de guerra Egidio Squeff costumava usar música e jogo para se distrair durante a Segunda Guerra (1939-1945), em Porreta-Terme (Itália).
Os outros jornalistas no acampamento contavam que o grande escritor americano Ernest Hemingway (“O Velho e o Mar”, 1954) também acompanhava o front e, nos momentos de distração, não conseguia aprender a brincadeira de forma alguma, apesar de muito curioso. Squeff resmungava: “lá vem o Hemingway que, além de chato, é burro. Como é que alguém consegue não aprender uma bobagem dessas?”
Jó não tinha escravos
Apesar de geralmente ser relacionada a Jó da Bíblia, o historiador Luiz Antonio Simas acredita que a cantiga tenha uma palavra em quicongo, língua africana. “Njó” é casa, logo o termo “escravos de jó” se refere aos escravos domésticos. “Caxangá” é um jogo de pedrinhas, esclarece o historiador.
Itororó, onde fica?
“Eu fui no Itororó beber água e não achei…” Sim, o Itororó é o nome de um local que existe, mas não se sabe exatamente qual. Há ribeirões com esse nome em Santos (SP), Salvador (BA), Camanducaia (MG) e igualmente em vários outros municípios brasileiros. Isso porque, em tupi antigo, o termo queria dizer ‘jorro d’água´, ou seja, uma bica ou pequena queda. (y, água, e tororoma, jorro)
Curioso notar, pois., em Santa Catarina, estado próximo do local da Batalha do Itororó (1868), na guerra entre Paraguai e Brasil, entram na letra personagens deste episódio histórico. “Eu fui no Itororó/ Beber água e não achei/ Ver Moreno e Caballero,/ Já fui, já vi, já cheguei”. Moreno e Caballero eram, segundo a História, generais das tropas paraguaias.
Homenagem para um presidente cantigas
A cantiga folclórica Peixe Vivo costumava ser tocada do mesmo modo na região de Diamantina, no interior de Minas Gerais, nas famosas serestas que eram populares por lá há séculos. Era por isso citada como uma das músicas preferidas do ex-presidente Juscelino Kubitschek, um dos mais ilustres nascidos na cidade.
Desde então, a melodia simples virou uma espécie de hino do presidente, entoada como saudação em toda parte. Assim, foi cantada até no velório dele, por cortejo popular, em Brasília, em 1976.
Ilustração: J. Lima Studio
Fonte: avosidad