Carta de Alforria do Camponês: I- A União
Do Deputado Francisco Julião em versos de Rafael de Carvalho
I- A União
Meu querido Pernambuco,
Berço de tantas riquezas!
Plantaste a flor da esperança…
_ Tuas Ligas Camponesas!
Do teu solo hospitaleiro
Quero falar por inteiro
Ao camponês brasileiro
De todas as redondezas!
Matas a fome dos outros
Entretanto passas fome.
Plantas o milho, o feijão,
Mas quem não planta é quem come.
Não tem escola, nem nada,
_ Tua caneta é a enxada,
Que a tua mão calejada
Não sabe assinar o nome.
Tu dás esmolas à igreja
E ela te pede paciência!
Em nome de Jesus Cristo
Pede a tua obediência
Ao dono da propriedade.
Diz que ele age com bondade,
Com amor, urbanidade,
Compreensão e clemência.
És tu quem planta o algodão
E não tens o que vestir.
Dás soldados pra nação
E eles vêm te perseguir.
Dás o capanga malvado
Que anda com rifle de lado
Que o patrão excomungado
Manda pra te seguir.
Mao Tse-Tung está vivo
E te abraçou como irmão.
Libertando toda a China
Da cruel escravidão.
Fidel Castro, teu amigo,
Também caminhou contigo
Escorraçando o inimigo
Que lhe oprimia a nação.
Nossos recantos mais distantes
Onde te encontres, perdido,
O brado de Julião
Tem que por ti ser ouvido.
Ele diz sem pabulagem
Que para levar vantagem,
O camponês, na viagem,
Tem que marchar sempre unido.
Canaviais no Nordeste
E cacauais na Bahia,
Abrigarão sobre as folhas
Esta carta de alforria
Camponeses e operários
Farão os reacionários
Do campo, mas salafrários,
Baixar noutra freguesia!
Mas tu sabes, camponês,
Que Cristo era um rebelado.
Pois lutando pelos pobres
Foi preso e crucificado.
E São Francisco de Assis,
Lá na Itália, o povo diz,
Que sofreu, mas foi feliz,
Porque lutava ao teu lado.
Camponês deste Brasil,
Ouve com muita atenção.
Esta carta tem que ser
Decorada, meu irmão!
Encosta um pouco as enxadas,
E grita pelas quebradas:
“Estas linhas mal traçadas
Traz a voz de Julião”
Sob as selvas do Amazonas,
Babaçu do Maranhão,
Carnaúba do Ceará
E até debaixo do chão,
Ouviremos sem cessar
Nos terreiros, ao luar,
O camponês soletrar
A carta de Julião
Se vives nos arrozais
Do São Francisco gigante,
Ou na região dos pampas,
No recanto mais distante.
Se és camarada ou posseiro,
Se és tangerino ou vaqueiro,
Para um pouco, companheiro..
_ Lê esta carta um instante…
Com ela abrirás caminho
Aos teus irmãos atrasados.
Vai às usinas de açúcar,
Aos engenhos, aos roçados.
E fala sem sutilezas,
Que da opressão, das tristezas,
Só nas Ligas Camponesas
Todos serão libertados!
O latifúndio é cruel!
Usa polícia e capanga
Contra o pobre que se exalta
Revoltado contra a canga
Que ele bota no cristão
Fazendo-o de boi ladrão!
Que e comprar no barracão
E andar descalço e de tanga!
Lá no Sul, dos cafezais,
Bandeiras rubras se agitam,
Nas urupembas nervosas
E vozes quentes recitam
“Vem meu irmão de outros lados,
Que depois de organizados,
Os coronéis não apitam”.
Se estás de papo amarelo
Lutando contra o grileiro,
Se estás de enxada na mão
Tapando algum formigueiro,
Toma esta carta na mão,
_ Ela é o teu Lampião,
O teu facho, o teu murrão,
Teu fifó, teu candeeiro.
A caminhada é penosa
Cheia de muitas ciladas,
Por isso é bom conduzires,
Todas as foices afiadas.
O latifúndio te aperta
Mas tua vitória é certa!
_ Estrela d´alva encoberta
Nas nuvens das madrugadas!
Ameaça por abaixo,
O teu casebre acanhado.
Te chama de comunista,
De cabra besta e safado.
Pra completar a intriga
Diz que assim Deus te castiga
E serás excomungado.
Se te chama de compadre
E te trata com carinho
Entrando na tua casa
Com cuidado, de mansinho,
É cobra que traz veneno
Tá preparando o terreno
Pra pegar o passarinho.
“Compadre, este sendo eleito
Tudo aqui vai melhorar.
A vida assim como vai
Não pode continuar.
E é preciso um candidato
Que nos defenda de fato,
_ Isto precisa mudar!”
Teu inimigo se elege
Usando da inteligência
E se este processo falha
Ele usa e violência.
Procura te amedrontar,
Com astúcia te enganar,
Te esgotando a paciência.
Pode haver maior castigo
Que morar na terra alheia?
Comendo farinha seca
Com rapadura na ceia?
Falar de Deus, de bondade,
Falar de amor, liberdade,
Mas te botar na cadeia?
Se te oferecem remédio
E algum dinheiro emprestado,
Aguarda que tu verás,
Muito cedo o resultado:
“Compadre, amigo é amigo,
Você vai votar comigo,
Num homem do nosso lado”.
E de fato, a nossa vida,
Hoje em dia está mudando.
A Liga é a estrela fulgente
Na escuridão, nos guiando,
Já sabemos, com certeza,
Quem nas costas da pobreza
Vive a locé, governando.
E se o homem foi eleito
Deputado ou Senador.
O pobre vai procurá-lo,
Assim, com certo temor…
Lá, ele vendo o coitado
Fala pro guarda do lado:
“Tem cara de agitador”.
E aquele voto foi dado
Pra mudar… e não mudou.
Pensavas em melhorar…
Tua vida piorou.
E agora no teu roçado,
Toda hora tem soldado
Que o latifúndio mandou.
Os anos vão se passando
E tu vais envelhecendo.
A vida ficando preta,
Teu cabelo embranquecendo.
O latifúndio engordando,
Teu bucho vazio inchando,
Tua esperança morrendo.
Mas tu precisas mudar:
Virar brabo, ser valente.
Afiar teu machado,
Trincar a faca no dente,
Formar bando ou batalhão
E gritar: “Via a União
Da pobreza, minha gente”!
A rama da gitirana
É fácil de se quebrar
Mas muitas ramas unidas
Ninguém pode arrebentar:
Pode prender-se um cristão,
Mas prender a multidão,
É querer secar o mar.
Sozinho é um pingo d´água
Que se desmancha no chão.
Serás rio caudaloso,
Quando unido ao teu irmão.
A Liga é tua represa
Que estourando, a correnteza
Vai libertar o sertão.
A união faz a força
Para a represa estourar.
_ Volume d´água crescendo
Pra depois se libertar!
É a justiça chegando,
A Liberdade cantando:
“Vamos nos organizar”!
OBSERVAÇÃO: Cordel publicado pela Editora Jotapê sem data (provavelmente 1961). As fotos foram extraídas de documentos e acervos do Memorial das Ligas Camponesas e do Memorial da Democracia.