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Queimando mato verde para afastar formigas

Queimando mato verde para afastar formigas –  Não conseguimos chegar no Novo Segredo ontem a noite, por isso tivemos que dormir na antiga colocação Boa Viagem, do Aladim Sereno. O filho do Aladim, Osvaldo, levou um tiro dos índios conhecidos como “os brabos”. Eles também são conhecidos como Jaminawa, ou Yaminawa, na língua Hatcha Kuin

Por Virginia Barbosa Gandres

Os indígenas de alguns desses grupos ainda andam nus, com um cipó Envira amarrado no sexo; os cabelos são compridos nas laterais e raspados no meio.

Esses grupos andam “perambulando” pelas cabeceiras dos rios na região do Alto Juruá, na fronteira com o Peru. Transitam pela região do Alto Rio Jordão, mas não têm contato direto com o nosso mundo “Babilônico”.

Durante suas “perambulações”, esses “brabos” podem saquear utensílios dos outros grupos já contactados, que também habitam a mesma região. Até muito recentemente eles não estabeleciam nenhum tipo de diálogo com os outros indígenas ou ribeirinhos.

Aladim Sereno fugiu da Colocação Boa  Viagem com medo dos “brabos”, depois que seu filho levou o tiro. E foi exatamente nessa Colocação abandonada no meio da floresta profunda, que tivemos que passar a noite, cercada apenas de mato por todos os lados, natureza majestosa, maciça, quase opressiva.

Durante as primeiras horas que passamos na Colocação, tivemos que queimar muito mato verde para espantar as imensas formigas que haviam dominado. As bichinhas tinham, literalmente, tomado tomado conta do “Pico”.

Txai Macêdo ficou jogando mamão verde quando foi ao “banheiro” e todo mundo se assustou pensando que já eram “os brabos”. Nicole dormiu com um pau, uma lanterna, um terçado e um revolver debaixo da rede dela.

Eu sonhei que um deles, o que tinha o cabelo cortado em estilo cuia com uma auréola de cipó Envira, tinha vindo bem pertinho da minha rede.

Naquela época eu pensei que havia sido um sonho e fiquei tranquila. Há poucos anos atrás, acredito que em 2014, filmaram um desses grupos pela primeira vez. Eles colocavam as mãos nos ouvidos e na cabeça, tentando expressar algo… e qual não foi minha surpresa ao ver exatamente aquele cabelinho-cuia com a auréola de cipó Envira!

Meu Pai… durante muitos anos eu pensei ter sido apenas minha imaginação, mas não havia sido um sonho. Quando vi as imagens na mídia nacional me percorreu um frio na espinha e na barriga!

Dormimos com muito medo, depois de bebermos uma única cuia de leite com chocolate, pois nossa comida já havia acabado. Nossa equipe e os Huni Kuin, estavam cansados, molhados, famintos e quase apavorados.

Mas no coração de cada um de nós, morava a certeza de que amanhã: Um Novo Segredo… e depois de cruzar esse Portal, só “graduação.”

ANOTE AÍ:

Este texto faz parte da Série Diários da Amazônia: A Viagem e Os Huni Kuin – Abraço Primitivo,  uma coleção de livros em preparo por Virginia Gandres – Arqueóloga,  escritora, produtora cultural e indigenista por paixão e dedicação à Amazônia e aos povos que nela vivem.

Este relato conta a história de uma de suas muitas viagens ao coração das florestas do Acre, desta vez em companhia de Nicole Allgranti, Antônio Macêdo, Ibã Huni Kuin e Txai Terri Aquino. O grupo empreendeu viagem entre os Rios Jordão e Juruá, nas Terras Indígenas Kaxinawa, próximas às áreas ocupadas por índios isolados.

O Projeto Diários da Amazônia conta com o apoio de: Adriano Domenico Siciliani, Ana Luisa Anjos, Angelo Bonelli, Cecilia Grosso, Ernesto Neto, Fernanda Finamore Simon, Jörgen Skjelsbæk, Marcia Andrade, Marcio de Andrade, Maria Nepomuceno, Mario Freire, Vanessa Grenier F. Motta.

NOTA DO TXAI MACÊDO – Sertanista e indigenista acreano, membro da equipe de viagem:

Aladim teve que se mudar da colocação e é bom que se fale que Aladim é um chefe de família Hunikuin.

A família de Aladim teve um conflito inesperado com os txais isolados bem como também já tinha havido confronto entre outras famílias Hunikuin e os isolados.

Pelo pouco que pude acompanhar nos casos de conflito que se conheceu envolvendo isolados e índios em vias de integração, bem como famílias de não-índios, quase sempre se deu em represália a ataques sofridos pelos isolados. Muitos conflitos envolvendo isolados e não-isolados promoveram mortes.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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