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Celso Marconi, adeus

Celso Marconi, adeus

Aos 93 anos, em Olinda, Celso Marconi partiu. Para as gerações que atravessaram a ditadura no Recife, ele foi o maior e melhor crítico de

Por Uraniano Mota/Portal Vermelho

Acaba de falecer o maior crítico de cinema do .

Aos 93 anos, em Olinda, Celso Marconi partiu. Para as gerações que atravessaram a ditadura no Recife, ele foi o maior e melhor crítico de cinema. Mas não só para as que atravessaram aqueles dias. Para as gerações que vieram depois também. Tento explicar. 

Celso Marconi fez tudo quanto era possível para o cinema, pelo cinema, sobre cinema. Resenhas, críticas, sofreu agressões públicas, e mais entrevistas, festivais, roteiros, documentários, direção de filmes Super 8. Mas isso poderia ser interpretado “apenas” como uma atividade sem descanso, como “uma agitação feroz e sem finalidade”, verso do Momento num café, de Manuel Bandeira. Celso Marconi era a negação do fazer e refazer por excesso de energia sem sentido. Ele se transformava no que fazia, pondo a sua pessoa inteira.

Mais de uma vez, ele declarou: “escrevo sobre cinema porque gosto  de cinema”. Mas o essencial nisto: ele era um pensador de cinema. Nele havia frases de um teórico de cinema. Consultem o repertório de suas críticas publicadas no Vermelho. No calor e frio desta hora (calor da batalha no front, frio da de um amigo de gênio), recolho rápido:

Mas mesmo o cinema, uma tremendamente materializada, em sua essência é intemporal. Sua grandeza com arte se encontra tanto num ‘Gritos e Sussurros’, quanto no simples e também maravilhoso ‘O Regador Regado’, que é um dos primeiros filmes de  Louis Lumière. Isso porque na arte o que realmente pesa não é o elemento técnico, mas sim a criação. E se um cineasta precisa de meios materiais imensos para se exprimir, ele também poderá fazer isso até mesmo com uma máquina de filmar primitiva e uma película preto e branco. É claro, ele será limitado materialmente, mas sua criatividade poderá chegar até nós, por brechas que consiga descobrir.

E nesse aspecto, para descobrir o que há de maravilhoso num , seja ele do passado ou do presente, pede-se o maior esforço, não do cineasta (que já deu sua participação), mas sim do espectador. Somos nós, espectadores, que temos de descobrir quando um filme é uma criação de arte (ou então um simples artefato técnico).

Na década de 20, como não contava com os grandes recursos técnicos para se expressar, o cinema recorria, particularmente, ao trabalho do ator. E era através do ator que o cinema melhor se comunicava com o público, e não podia deixar de ser dominado pelo chamado ‘star system’.    

Os três filmes, ‘O Médico e o Monstro’ , A General’ e ‘O Corcunda de Notre Dame’ são marcados, fundamentalmente, por seus atores principais. Claro que para os olhos dos espectadores de hoje serão filmes com uma fotografia falha, com pouquíssimos recursos de montagem, com uma linguagem realmente primitiva. Mas se estivermos atentos, vamos descobrir neles a chama da criação, particularmente através de John Barrymore, Buster Keaton e Lon Chaney, três atores que marcaram o cinema da década de 20 e ainda hoje são lembrados como presenças decisivas na do Cinema.

O passado não me parece dever ser cultuado com nostalgia (pois hoje temos um cinema ainda mais maravilhoso), mas devemos abrir os olhos com largueza, para conhecermos o que então foi criado.

(Jornal do Commercio, Recife, 13.07.1975)

Celso Marconi formou muitos cineastas de Pernambuco, tanto pela crítica no Jornal do Commercio, do Recife, quanto pela programação que, ao lado de Fernando Spencer, deu de presente à nossa geração no Cine de Arte Coliseu. Ah os filmes a que assistimos ali! A nossa jamais seria a mesma, jamais teria sido o que foi, nem o que é até este momento,  sem aqueles filmes do Coliseu. Tantos, De um deles, O Anjo Exterminador, recuperei seu impacto em “Soledad no Recife” nas primeiras linhas:

“Fossem outras circunstâncias, diria que a visão de Soledad, naquela sexta-feira de 1972, dava na gente a vontade de cantar. Mas eu a vi, como se fosse a primeira vez, quando saíamos do Coliseu, o cinema de arte daqueles tempos no Recife. Vi-a, olhei-a e voltei a olhá-la por impulso, porque a sua pessoa assim exigia, mas logo depois tornei a mim mesmo, tonto que eu estava ainda com as imagens do filme. Em um lago que já não estava tranquilo, perturbado a sua visão me deixou. Assim como muitos anos depois, quando saí de uma exposição de gravuras de Goya, quando saí daqueles desenhos, daquele homem metade troco de árvore, metade gente, eu me encontrava com dificuldade de voltar ao cotidiano, ao mundo normal, alienado, como dizíamos então. Saíamos do cinema eu e Ivan, ao fim do mal digerido O Anjo Exterminador. Imagens estranhas e invasoras assaltavam a gente”. 

Numa ao crítico de gênio em 2022, escrevi para ler no palco do cinema da Fundação Joaquim Nabuco:

“Olhem a lição de cinema, no seu texto ‘Face a Face de Bergman’. Celso Marconi volta ao clássico e relata a mais atual e revoltada impressão destes dias:

‘Face a Face é melhor ser visto num aparelho individual, numa TV grande, mas de maneira que você possa parar quando estiver cansado, prostrado, e sair para comer um chocolate ou tomar um café antes de continuar. Penso que, se estivesse vendo esse filme de Ernst Ingmar Bergman hoje numa sala de cinema, eu gritaria para que parassem pra gente descansar um pouco…

A grande sequência do filme ocorre enquanto a doutora está internada no hospital e vive inúmeros momentos de alucinação. O diretor faz as cenas acontecerem em termos realistas, embora sejam todas verdadeiros sonhos. Dessa maneira, o espectador vivencia como se estivesse ele mesmo dentro da mente da personagem – e ele próprio vivendo todo o drama”.

E por terrível ironia, ou com aquela coincidência estranha que ataca criadores, nos últimos dias Celso Marconi reviveu o que havia escrito antes: ele teve alucinações, nas quais era visitado por inúmeras pessoas, personagens. Diminuía as visões sob efeito de remédio, que Trudy, a sobrinha e anjo bom da sua vida, lhe administrava. Os seus últimos dias mostram um homem cuja ambição de ver,  conhecer, não tinha fim. A maioria das pessoas não sabe, mas ele fez a crítica ao filme Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho, de ouvido. Ele ouviu o som e ditou o texto para Trude, sem ver as imagens. Para toda a gente, ficar cego é trágico. Mas para um crítico de cinema, que precisa ver o filme, o que dizer?  

A vida e crítica de Celso Marconi são um longo filme que continua, mesmo sem ele. Mudamos todos, mas guardamos, creio, o caráter do que fomos. Para toda geração que cresceu sob as suas luzes, o quanto gostaríamos de ser à semelhança de Celso Marconi! Ele transformou o cinema em sua vida real. E nossas vidas também. O filme passa, vai até o fim, mas não a sua .

Se eu fosse , escreveria estes celsos:

Celso Marconi
Celso Marconi
Celso Marconi
Celso Marconi
Celso Marconi
Celso Marconi!…  

Como se fosse um adeus a nosso guru de gerações.

Fonte: Portal Vermelho Capa: Reprodução


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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