CHICO MENDES E A POLÍTICA AMBIENTAL

Chico Mendes e a política ambiental 

É surpreendente ver como o nome Chico Mendes tem o poder de gerar reações radicais quase 20 anos depois que ele foi assassinado.

Por Mary Allegretti 

É mais comum do que se pensa, no Acre, ver pessoas reagirem com raiva à menção do nome
dele.

Na maior parte do casos, porém, é evidente porque isso acontece. Geralmente são pessoas que tiveram de abrir mão de extensas áreas griladas para ver no lugar uma reserva extrativista; ou aqueles que, vindo de fora, acham que podem desrespeitar a lei e seguir impunes.

Essas reações, por estarem associadas às ideias propostas por Chico Mendes, reforçam o empenho em concretizar seu legado. Afinal é isso que fazíamos antes dele ser assassinado e continuamos a fazer até hoje.

A associação entre proteção do meio ambiente, justiça social e valorização da floresta, idéias que estão no
centro do seu pensamento, são, ainda hoje, inovadoras, revolucionárias, radicais.

Pode-se não concordar com elas mas não se pode ignorar o poder que elas têm de mudar a realidade. Considero constrangedor, no entanto, ver o nome Chico Mendes sendo colocado no meio da disputa e dos descontentamentos gerados pela reforma da área ambiental.

É evidente que dar o nome dele a medidas polêmicas e não discutidas com a sociedade (nem com as instituições que zelam pelo seu legado), foi um equívoco e deveria ser revisto. O mérito – É positiva a idéia de criar um instituto específico para as unidades de conservação, em discussão desde a transição para a primeira gestão do governo Lula.

Existem recursos, a instituição pode ser autosuficiente e trazer benefícios ao meio ambiente e à sociedade se as áreas protegidas puderem servir aos objetivos para os quais foram criadas. A dúvida, naquele momento, era em como conciliar as áreas de proteção integral e as de uso sustentável dentro de uma mesma instituição, na medida em que a consolidação de cada modalidade requer volume de recursos e instrumentos técnicos bastante diferentes.

A criação do Instituto, sem discutir com as comunidades que vivem nas áreas protegidas, nem com as instituições que defendem as unidades de proteção integral, só dificulta o equacionamento das soluções e acumula descontentamentos de ambos os lados.

Dar o nome Chico Mendes a um órgão público que tem a responsabilidade institucional de implementar todas as modalidades de unidades de conservação, sabendo que ele não só ajudou a formular como foi assassinado por defender uma modalidade – as reservas extrativistas – passa a impressão de querer encontrar uma conciliação por decreto.

É lógico que vai gerar exatamente o contrário: atrair desconfiança e descrédito e acirrar disputas desnecessárias. A forma – Se tudo isso já não fosse suficiente, na prática, a forma como o Instituto foi criado gera, todo dia, grandes constrangimentos ao nome de Chico Mendes.

É evidente que existe uma crise na área ambiental centrada na polêmica do licenciamento ambiental das hidrelétricas do rio Madeira. Mesmo que a criação do Instituto já estivesse decidida antes, o fato de ter sido anunciada de surpresa e, no contexto da crise, catalizou a energia das pessoas contra a medida.

Os riscos de decisões equivocadas são altos em uma segunda gestão em cargos executivos. Aos poucos, as pessoas que estão no poder vão perdendo o senso de crítica e de realidade e adotam medidas que, com certeza, em outro
momento, seriam evitadas por simples cautela. É preciso ficar atento porque hoje, na área ambiental, a falta de crítica da sociedade e a perda de independência das ONGs, podem dificultar o senso crítico.

Tivesse uma medida como essa sido tomada na gestão de Sarney Filho, não teríamos sido poupados. O prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente, criado pelo ex-ministro Sarney Filho a partir de projeto elaborado pela Secretaria de Coordenação da Amazônia, é uma iniciativa de conciliação porque visa identificar e valorizar todas as áreas, públicas e privadas, envolvidas com iniciativas positivas para o meio ambiente.

A desqualificação do licenciamento ambiental, feita pelo próprio presidente Lula, acirrou os conflitos de gestão no Ibama, acumulados nos últimos anos. Nesse contexto, uma medida tomada sem qualquer transparência, e mesmo sem consulta às entidades que cuidam do legado de Chico Mendes (o Comitê e a Fundação Chico Mendes), gerou uma situação difícil – a crítica a uma medida institucional acaba se misturando ao nome a ela atribuído e às idéias que ele representa.

Colocar o nome Chico Mendes em um órgão público federal é uma prática inadequada porque acirra as divisões entre os que são a favor e os que são contra as idéias que o nome representa.

Associar o nome Chico Mendes a uma área dividida é contra-producente quando o que se precisa é de aliados que respeitem seu legado e contribuam com a concretização de suas propostas.

A solução – As entidades ligadas à memória e ao legado de Chico Mendes têm a obrigação de proteger o nome
dele e sua história e deveriam, polidamente, solicitar à ministra Marina Silva que reconsidere sua decisão. O propósito de reconhecimento e a homenagem que certamente ela queria prestar, não foram adequadamente propostos e, portanto, entendidos, gerando um sentimento de deboche e desrespeito que, embora dirigido ao governo e não necessariamente à imagem dele, facilmente se misturam.

A ministra Marina Silva, por outro lado, deveria reconhecer seu erro e, tranquilamente, tirar esse equívoco do caminho para poder cuidar do mais importante: a insatisfação dos funcionários do Ibama com os rumos da
política institucional.

Afinal, excluída do Ibama a parte corrupta, é fundamental resgatar e valorizar a competência técnica e o compromisso com o país que, com certeza, existem ali.

Mary Allegretti 1

 

Mary Allegretti é antropóloga.

Fonte: Blog Mary Allegretti

Publicação original: 15/05/2007. Publicamos este texto novamente como parte do registro da memória e do legado de Chico Mendes, por ocasião dos 30 anos de sua partida dos espaços físicos deste mundo.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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