Procura
Fechar esta caixa de pesquisa.

CHICO MENDES: DOIS ENCONTROS COM NOSSO LÍDER SERINGUEIRO

Chico Mendes: Dois encontros com nosso líder seringueiro

Um deles foi uma entrevista. No início dos anos 1980, eu era repórter de um jornal chamado “Folha do Acre”, criado pelos jornalistas Arquilau de Castro Melo e Suede Chaves, integrantes também do lendário jornal  “Varadouro”, editado por  Elson Martins e Sílvio Martinello.
 
Por Marcos Afonso
 
O Acre enfrentava as primeiras ondas dramáticas da tentativa de inversão da base econômica extrativista (em decadência) pela monocultura bovina. Multidões de estavam sendo expulsas das florestas pelos sulistas, “paulistas” – fazendeiros latifundiários – e a tensão era crescente.
 
Eu já conhecia Chico Mendes, que havia sido eleito vereador em Xapuri pelo então MDB (Movimento Democrático Brasileiro, único partido de oposição “legal” na ditadura militar). Na entrevista, ele mostrou sua preocupação com a economia do município, cuja arrecadação do ICM (Imposto de Circulação de Mercadorias, na época) era o mais baixo do Acre, como consequência do novo modelo.
 
Admirei muito essa postura, vinda de um parlamentar seringueiro que observava a e a economia além do seu .Em 1980, tive com ele outro encontro, uma reunião clandestina.

A igreja católica no Vale do Acre, liderada pelo Bispo Moacyr Grecchi, impulsionava a criação das Comunidades Eclesiais de Base, que eram movidas pela Teologia da Libertação, de opção preferencial pelos pobres, teorizada por Gustavo Gutiérrez e os irmãos Boff (Leonardo e Clodovis).

Nas CEBs, os seringueiros oprimidos e a juventude progressista das cidades encontravam apoio e alimentavam esperanças. Em , principalmente, alguns professores, estudantes, jornalistas e funcionários públicos, orbitavam, não sem sobressaltos, em algumas incipientes organizações ou pensamentos clandestinos (ALN, PC do B, PCB e MR-8).

 

Eu havia decidido lutar contra a ditadura. E nos meandros da no Acre, procurei ingressar numa força política que correspondesse à radicalidade que eu possuía. Já sintonizava as rádios de Moscou, Cuba, Tirana, Pequim. E lia jornais e documentos semi-clandestinos. Identifiquei-me com o Partido Comunista do Brasil, no final de 1979.

Nessa reunião secreta do PC do B, eu, Pascoal Torres Muniz e Chico Mendes começamos a conversa no início de um entardecer. E ela se estendeu até o amanhecer do outro dia. Lembro que tomamos umas três garrafas de café, com muitas bolachas.

O Pascoal Muniz estava há pouco no Acre, vindo de Salvador, para se livrar de um enquadramento na famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN) da ditadura, por ser uma das lideranças do movimento estudantil universitário na Bahia.

Aqui, Pascoal foi organizando lentamente o Partido Comunista do Brasil, agremiação muito perseguida (quatro anos antes havia perdido importantes dirigentes do seu Comitê Central, assassinados pelos militares no episódio conhecido como “A Chacina da Lapa”, ).

Contextualizo, para ter uma ideia da seriedade do encontro, do quanto tínhamos de apreensões – e esperanças, igualmente. O Chico tinha admiração e respeito pela , que havia sido desmantelada pelo regime sete anos atrás, tanto que batizou sua filha com o nome de uma das combatentes, Helenira.

Na reunião, discorremos sobre história, marxismo-leninismo, conjuntura internacional, luta armada e outras ações locais de à ditadura que poderiam ser abertas.

Chico Mendes Salve a Amaz%C3%B4nia

Recordo sempre das sobrancelhas arqueadas e, vez por outra, do sorriso franco do Chico Mendes. (Um dia, se a me ajudar, escreverei os detalhes deste encontro). Quando estava amanhecendo, nos preparamos para partir. Por motivo de segurança, Chico Mendes sairia primeiro, depois eu.

Alguns encaminhamentos foram tirados para apoiar o Chico e contribuir de alguma forma na organização dos seringueiros. Era uma espécie de reunião de “recrutamento”, termo usado para incorporar lideranças confiáveis no combate ao regime autoritário.

Lembro bem da franqueza do Chico em ter declarado, pausada e seriamente, suas dúvidas com relação à eficácia da luta armada contra o regime militar e para a construção de uma nova sociedade. E que também alimentava outras expectativas com dois fatos recentes.

O primeiro, o fim do AI-5 em dezembro de 1978 (expressão mais acabada da ditadura e que podia decretar o recesso do , intervir nos estados e municípios, cassar mandatos parlamentares, suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, decretar o confisco de bens considerados ilícitos e suspender a garantia do habeas-corpus, fora as bárbaras torturas, assassinatos, desaparecimentos, que corriam à margem); o segundo deles, o advento de uma reforma partidária que se avizinhava – sinais de enfraquecimento do regime (que propiciou o surgimento do PT e outras agremiações).

Em suma, foi um encontro muito sincero, de sonhos honestos.

Ao final, aprofundaram-se admirações e confianças mútuas, além de um sentido solidário muito forte, elementos essenciais para qualquer unidade política naquele período difícil da nossa história.

Passados 33 anos, recordo estes dois momentos no instante em que fechamos o ano com uma vasta e vitoriosa programação desenvolvida pela Comissão Especial “25 Anos: Chico Mendes Vive Mais”. Acredito que se ele estivesse vivo estaria ao nosso lado construindo novos sonhos.

Chico Mendes Acervo Memorial Chico Mendes

ANOTE AÍ:

Este texto do escritor acreano Marcos Afonso, foi originalmente publicado no Jornal Página 20, do Acre, em 16 de dezembro de 2013. Caso estivesse vivo, Chico Mendes teria completado 71 anos no dia 15 de dezembro. Em 16, completam-se 28 anos de seu assassinato pelas balas do latifúndio em Xapuri,no Acre.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

posts relacionados

REVISTA

[instagram-feed]