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Cleiton Cândido: “O problema vai ser quando vier o silêncio”

Cleiton Cândido, atingido pela tragédia de Brumadinho: “O problema vai ser quando vier o silêncio”

Cleiton Cândido da Silva teve casa destelhada pelos helicópteros que realizam buscas na comunidade do Córrego do Feijão

Por: Guilherme Weimann/Brasil de Fato/Brumadinho (MG)

“A gente continuou dormindo aqui depois do rompimento, os helicópteros passando, as paredes balançando e aquele negócio todo. Aí eu fui avisando o pessoal: ‘gente, o teto da minha casa está destelhando’. Daí eles respondiam: ‘espera que a gente vai lá olhar pra você’. E não tiraram a gente daqui. Até que chegou um dia de manhã que eu tava dormindo no outro quarto e ouvi um barulho. Quando eu olhei essas telhas já estavam voando pra cima. Eu e meu sobrinho saímos correndo, não deu tempo de pegar nada”, conta Cleiton Cândido da Silva, de 38 anos.
Nascido e criado em Córrego do Feijão, povoado rural pertencente ao município de Brumadinho (MG), Cleiton se divide há alguns anos entre seu local de origem e a cidade de Itabirito (MG), onde vive com a família e trabalha como mecânico na empresa Herculano Mineração. Quando recebeu a notícia do rompimento da barragem da Vale, ocorrida no último dia 25 de janeiro, ele correu para Córrego do Feijão à procura de notícias de parentes e amigos.
“Eu tava em Itabirito quando rompeu a barragem. Primeira coisa que a gente pensa é nos irmãos: ‘o que aconteceu?’. Aí dá aquela coincidência de ligar pra eles e ninguém atende. Daí você pensa: ‘pô, aconteceu alguma coisa’. Vim desesperado, mas quando cheguei aqui, graças a Deus pelo menos com minha família não tinha acontecido nada. Mas meus amigos de infância foram quase todos. E é um choque, tá? Na hora eu pensava: ‘ah, estourou ali, mas foi só uma lama que desceu’. Quando eu cheguei aqui a ficha caiu. Mas na verdade acho que não caiu totalmente até agora”, conta Cleiton.
De férias do trabalho, o mecânico chegou no mesmo dia do rompimento à comunidade para buscar informações e dar apoio aos vizinhos e amigos. Entretanto, sua casa está localizada ao lado do cemitério e do campo utilizado como base para as equipes de busca. Por isso, foi surpreendido uma noite com seu telhado voando, devido ao vento causado pelos helicópteros.
“Eu sou testemunha viva do descaso da Vale. Pra mim, até agora, não teve nenhuma resposta. Eu sou ser humano cara. Eles têm que perceber que eu tinha uma casa, por mais humilde que fosse. Agora eu tô numa casa alugada, dos outros. Mas no começo eles falaram que não podiam nem pagar o aluguel, eu tava só com a roupa do corpo. Perdi todos meus móveis e minhas televisões, que não deram nenhuma resposta se vão ser indenizadas. Chegava o natal e início de ano, era aqui que a gente comemorava. Quando a gente vai poder fazer isso de novo?”, questiona Cleiton.
Cleiton conta também que está preocupado com o risco de contaminação do seu terreno devido à ampliação do cemitério. “Aqui do outro lado era um mato, eles entraram com a máquina pra dentro e desmataram. Fizeram depois aquelas covas, não chegaram perto de nós pra perguntar nada. Eu que tive que chegar perto deles e dei a ideia pra eles colocarem grama aí dentro, para evitar o perigo de contaminação. Aí colocaram aquele tanto de cova só esperando o pessoal chegar, porque o próprio cemitério aqui não comportava o pessoal que tá desaparecido. Estão essas covas abertas, esse sofrimento danado”, lamenta.
Vale 
“O que aconteceu aí foi um crime, isso é tentativa de homicídio. Por mais que eu não trabalhasse mais lá dentro, eu poderia estar passando por algum lugar aqui por perto e ter morrido. Eu acho que isso é tentativa de homicídio, isso é um crime. Falar o que? Você vai mexer com uma empresa grande dessa daí como? Se ela fez isso com um tanto de gente não vai fazer com uma pessoa como eu?”, questiona Cleiton.
O mecânico trabalhou por alguns anos dentro da Mina Córrego de Feijão antes de se mudar com a família para Itabirito. Desse período, destaca a contradição entre o discurso e a prática da mineradora. “Ela fala que a vida tá em primeiro lugar, mas colocou os próprios funcionários dela tudo na zona de perigo. Porque ela só pensa no lucro. Eu trabalhava numa área dela e ela só pensa em produção. Só produzir e bater uma meta hoje e amanhã ela tá batendo outra e por aí vai. Produção em cima de produção. E ela esquece da vida, esquece do ser humano que está lá dentro”, opina.
Futuro
Desde o dia 25 de janeiro, os moradores convivem com barulhos e uma quantidade de pessoas que não era comum no pequeno povoado que continha aproximadamente 500 habitantes. Mas, para Cleiton, esse não é o maior problema.
“Eu fico imaginando depois que acabar tudo, o barulho, e vir o silêncio. Como será que vai ficar o psicológico do pessoal? Tem muitos que vão precisar de um cuidado especial. Aí que a ficha vai cair. Porque agora tem movimento. Movimenta daqui, movimento dali. Mas na hora que o silêncio vir, aí que vai ser duro. Na hora que se der conta dos estragos que fizeram por aí. Todo lado que você andar pela região você vai ver marca de alguma coisa. Toda hora você vai estar lembrando. O problema vai ser quando vier o silêncio”, sugere Cleiton.
Apesar de respeitar e afirmar que a continuidade da comunidade é um direito de todos os moradores, Cleiton não consegue se enxergar mais no local onde passou praticamente toda a sua vida. “Se alguém pensa em ficar, vai ter que começar tudo de novo, do zero. Eles vão precisar de um apoio muito grande. Psicologicamente, financeiramente, para poder começar tudo de novo. Como para mim, para eles acabou também. Eu acho que acabou tudo. Triste, tá?”, lamenta.
Nascido e criado em Córrego do Feijão, o mecânico Cleiton não consegue se enxergar mais no local onde passou toda a sua vida - Créditos: Foto: Guilherme Weimann
Nascido e criado em Córrego do Feijão, o mecânico Cleiton não consegue se enxergar mais no local onde passou toda a sua vida / Foto: Guilherme Weimann

Edição: Mariana Pitasse

Fonte: brasildefato


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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