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Coletivo Varadouro: sementes de resistência no coração da floresta

Coletivo Varadouro: sementes de resistência no coração da floresta

 “Chico Mendes não errou quando escreveu o bilhete às e aos jovens do futuro”. Com essa frase Layane Costa dos Santos (30) abriu as falas da juventude do Coletivo Varadouro, formado por jovens representantes dos municípios de Assis Brasil, Brasileia e Xapuri, região do Alto Acre, na fronteira com a Bolívia e o Peru, na reunião do Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista Chico Mendes, em Rio Branco, capital do Estado, no último dia 4 de maio.  

Por Marcos Jorge Dias 

O Coletivo Varadouro nasceu da formação realizada pelo Comitê Chico Mendes durante a Semana Chico Mendes 2022  (15 a 22 de dezembro), dentro do programa Vozes  pela Ação Climática (VAC), do WWF-Brasil. 

Varadouro é como os povos da floresta chamam os caminhos que percorrem dentro da mata. Não por acaso, esse era o nome de um jornal alternativo de Rio Branco que, na década de 1980, dava publicidade e voz a Chico Mendes e às denúncias sobre os crimes que aconteciam na região. Segundo Layane, o nome Varadouro foi escolhido como forma de valorizar e reafirmar o sentimento de pertencimento ao território no qual nasceram, vivem e que estão se colocando na luta para defender. 

Criada no leite da castanha, amamentada na luta, ela tem a mãe (Francisca Bezerra, atual presidente do STR/ Brasileia) como espelho e modelo de coragem e resistência. Agora, com um discurso aprumado, linguagem simples e moderna, no mesmo patamar de Greta Thunberg (sueca conhecida mundialmente por ser a líder do movimento Greve das Escolas pelo Clima), Layane não fica por menos. Sua voz ecoa da floresta para o mundo.  

SEM PERDER A TERNURA JAMAIS

“Tem dias que dá vontade de fechar a associação e jogar a chave fora”.  Assim o jovem presidente da Associação de Moradores da Reserva Chico Mendes em Assis Brasil, Wendel Araújo (28), externou seu sentimento de frustração para a plateia reunida no auditório da Universidade Federal do Acre (Ufac), composta pelo Conselho Deliberativo da Resex, servidores e servidoras do IBAMA/ICMBio, representantes de ongs, agências financiadoras, lideranças da Resex e jornalistas. 

Com olhar firme e direto, a fala de Wendel, neto de seringueiro e filho de trabalhador rural, reflete as dificuldades pelas quais as associações de moradores da Reserva Chico Mendes têm passado desde que um governo antifloresta acabou com as estruturas de controle e fiscalização na Resex, deixando “passar a boiada”. Aqui na Associação, nos últimos anos “a gente ficou igual porteira que leva porrada todos os dias”.

Participar do Coletivo Varadouro, segundo Wendel, é sentir que não está só na defesa do seu lugar de viver e ser feliz. Quando falou do seu compromisso com a luta e da alegria pelo coletivo de jovens conquistar um assento no Conselho Deliberativo, as lágrimas inundaram seus olhos. Uma emocionante demonstração de que a resistência dos seringueiros continua forjando titãs e seguindo a frase atribuída ao argentino Che Guevara: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”.   

O anfiteatro da Ufac estava em silêncio ouvindo os jovens do Coletivo Varadouro que externavam seus sentimentos pela recente conquista do assento no Conselho Deliberativo, reivindicação feita em muitas reuniões dos moradores da Resex e nas quais a participação da juventude sempre era cobrada.

A porta lateral, à esquerda do palco, foi aberta e um jovem de cabelos encaracolados, jeans, camiseta, tênis, mochila no ombro, celular na mão, adentrou o auditório se dirigindo diretamente para o palco onde os outros jovens estavam à mesa.

Não se diferenciava de quaisquer outros jovens que frequentam os shoppings centers do mundo ou dos universitários que transitam nos corredores da Universidade. Um típico representante da Geração Z (definição sociológica para pessoas nascidas entre 1995 e 2010), com um certo olhar arrogante, perfeitamente aceitável quando se é jovem. 

Sua apresentação enquanto membro do Coletivo Varadouro foi direta, objetiva. “Sou André Maciel (21), morador da Reserva extrativista Chico Mendes, no município de Brasileia”. Lembrei que já o tinha visto em uma Oficina de Defensores populares de Direitos Humanos e mais recente no Instagram, no acampamento Terra livre, em Brasília. 

André Maciel é um desses jovens moradores da Reserva, antenado com seu tempo, globalizado e com um profundo sentimento de pertencimento aos seu território, onde mora com os pais, no Seringal Amapá, colocação Boa Vista, BR 317, km 59 em direção ao município de Assis Brasil. 

Filho do extrativista, repentista e poeta Anacleto Maciel, os dois têm projeto de consolidar a “Trilha Chico Mendes”, um atrativo/empreendimento turístico para gerar renda, fixar os jovens na Reserva e preservar a floresta em pé.  Nada mais moderno e coerente da parte de quem tem militado na defesa do meio ambiente, como é o caso do “seu Anacleto”.

Ao finalizar sua fala, André usou palavras contundentes para se dirigir aos representantes do ICMBio. “Vocês precisam lembrar que foi a luta dos nossos antepassados que fez com que a Reserva fosse criada, para nós vivermos nela”. Nada mais revolucionário que enfrentar o poder público constituído.  

O CAVACO NÃO VOA LONGE DO TOCO 

O Município de Xapuri sempre foi um celeiro de resistência. Em sua luta, Chico Mendes agregou muitos companheiros, dentre eles o primo Raimundão, que foram imprescindíveis na continuidade dos seus ideais, após o tiro que lhe tirou a vida, em 22 de dezembro de 1988.  

Sua incansável batalha pela preservação ambiental e sua relação de amor com a natureza, com sua colocação Rio Branco no Seringal Floresta, onde vive, não passaram despercebida da sua filha caçula, Raiara Barros (19), uma das componentes do Coletivo Varadouro. 

Desde pequena (algumas vezes escondida atrás das compridas pernas do Raimundão), Raiara sempre acompanhou o pai nas reuniões do Sindicato, da Associação, na Câmara Municipal (quando foi vereador), e foi observando, escutando e aprendendo. Política, começou sua fala pedindo à benção aos ancestrais e aos mais velhos que ali estavam presentes, fazendo a resistência até os dias atuais. É como dizem os mais antigos: “o cavaco não voa longe do toco”. 

Assim é que, por meio do Coletivo Varadouro, uma nova safra de sementes brota na floresta e um novo modelo de gestão compartilhada está sendo desenhado pelos e pelas jovens do futuro, a quem Chico Mendes chamou para fazer a revolução e que hoje se fazem presentes na condução dos destinos da Reserva Extrativista Chico Mendes, sua morada no coração da floresta.  

Marcos Jorge Dias – Escritor e poeta acreano. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.

 
 
 
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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Maria Helena Pacheco

Muito bacana!

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