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COMUNIDADE DE PAU COLHER: HISTÓRIA DE UM MASSACRE

: história de um massacre 

Polícia de três estados e Exército massacram povoado religioso no baiano

Do Memorial da Democracia

Em 20 de janeiro de 1938, o povoado baiano de Pau de Colher, na fronteira com Pernambuco e Piauí, é dizimado por forças policiais dos três estados. O ataque à localidade, pertencente ao município de Casa Nova, teve apoio do Exército.

A comunidade era formada por sertanejos pobres, e de outros místicos que percorriam a região. Acusados de serem fanáticos religiosos violentos e comunistas, os lavradores viviam num rígido regime determinado por beatos, entre os quais José Senhorinho e Joaquim Bezerra — o “Quinzeiro”.

Não bebiam nem fumavam, não comiam carne nem gordura, passavam o dia rezando pela salvação de suas almas, usavam luto pela morte do padre Cícero e tratavam uns aos outros como irmãos. Os homens do grupo eram conhecidos como caceteiros, pois portavam um porrete com uma cruz.

A origem de Pau de Colher remonta à fartura da comunidade do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, no Ceará, massacrada em maio de 1937. A fama do lugar onde os sertanejos viveriam num sistema de mutirão, dividindo o que produziam de acordo com a necessidade da cada um, corria pelo semiárido nordestino e incomodava os poderosos da região.

Pau de Colher foi o ponto de aglutinação de todos aqueles que moravam próximos daquela tríplice fronteira e sonhavam em se mudar para Caldeirão de Santa Cruz.

A notícia de que o Caldeirão fora exterminado por policiais e jagunços, com o apoio de aviões do exército, acabou com o sonho da vida farta e levou os moradores a se preparar para o que achavam ser o fim das eras. A situação em Pau de Colher se deteriorou. Há relatos de mortes entre os que tentaram deixar a comunidade.

COMUNIDADE DE PAU COLHER: HISTÓRIA DE UM MASSACRE
Imagem: Memorial da Democracia

As ficaram alarmadas com o que acontecera no Caldeirão e não deixariam florescer no Nordeste mais uma comunidade que afrontasse o poder dos latifundiários e da igreja católica.

O discurso anticomunista divulgado pelos rádios e jornais para dar sustentação ao Estado Novo deu-lhes uma nova arma. O jornal “Diário de Pernambuco” chegou a citar o nome do “extremista Sodré Viana”, que viveria na comunidade. Já o jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, mencionou a presença de um jornalista carioca e do médico Demóstenes Guanais.

Relatos de ataques dos caceteiros circularam pela região, dando força à versão de que ali vivia não uma comunidade religiosa, mas um bando de mais de 800 cangaceiros se preparando para atacar as cidades vizinhas, destruir os poderes constituídos e implantar o comunismo.

O “fim das eras” começou com a chegada da polícia militar baiana, apoiada por jagunços a serviço dos coronéis, em 10 de janeiro. Os caceteiros reagiram, e houve mortes dos dois lados. Em seguida, foi a vez da polícia piauiense, também rechaçada pelos caceteiros.

Mas a guerra havia apenas começado. O tenente-coronel Maynard, comandante das forças em operação no Vale do São Francisco, deslocou para o local batalhões do exército locados em Aracaju e Salvador.

O coronel Dantas, interventor baiano, mandou um esquadrão motorizado e uma companhia de fuzileiros. Do Piauí, seguiu um novo grupo de policiais militares. Pernambuco enviou 90 homens, liderados pelo capitão Optato Gueiros, temível comandante das forças volantes de combate ao .

Armados de metralhadoras, os policiais pernambucanos abriram fogo, matando centenas de homens, mulheres e crianças. Depois de 42 horas de batalha, os sobreviventes foram caçados como animais e degolados. Há relatos de mais de 400 mortos. Outros foram presos. Os pais perderam o direito pátrio sobre os filhos, que foram entregues como escravos a famílias da região e da capital baiana.

Encerrados os combates, as forças pernambucanas foram saudadas pela população de Casa Nova, por terem comandado a destruição de Pau de Colher. O prefeito do município chegou a oferecer um banquete em ao líder das tropas, na sede da prefeitura.

Segundo o “Diario de Pernambuco”, um avião de bombardeio do Exército com duas metralhadoras partiu em 24 de janeiro para a região, com o intuito de “cooperar na perseguição dos fanáticos”.

Nele, seguiu o capitão Cordeiro Neto, secretário de segurança do Ceará. Na volta a Fortaleza, ele declarou à imprensa que tinha ido “verificar a guerra das fronteiras cearenses contra as incursões de fanáticos” e que “o reduto Pau de Colher” era constituído de elementos heterogêneos e fomentadores de perturbações sociais, que se tinham imiscuído entre os sertanejos a fim de produzir discórdias”. No dia 29, Getúlio enviaria um telegrama ao interventor Dantas, felicitando-o pelo extermínio de Pau de Colher.

No sertão, restaria a história de duas comunidades lideradas por fanáticos e, segundo os boatos, organizadas pelo Partido Comunista. A seca, o , os coronéis e seus jagunços continuariam dando as ordens na região. 

COMUNIDADE DE PAU COLHER: HISTÓRIA DE UM MASSACRE
Imagem: Memorial da Democracia
Texto e Fotos: Memorial da Democracia

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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