Conceição Evaristo: De Mãe
Conceição Evaristo em seu estilo de escrevivências propõe ao leitor refletir sobre as condições sociais ao mesmo tempo em que apresenta sua vida, sua história e, principalmente, sua ancestralidade. Nesse sentido, na obra “De Mãe” é difícil não enxergar uma escrita brilhante que carrega ao leitor todo um conjunto de sentimentos.
O cuidado de minha poesia
aprendi foi de mãe,
mulher de pôr reparo nas coisas,
e de assuntar a vida.
A brandura de minha fala
na violência de meus ditos
ganhei de mãe,
mulher prenhe de dizeres,
fecundados na boca do mundo.
Foi de mãe todo o meu tesouro
veio dela todo o meu ganho
mulher sapiência, yabá,
do fogo tirava água
do pranto criava consolo.
Foi de mãe esse meio riso
dado para esconder
alegria inteira
e essa fé desconfiada,
pois, quando se anda descalço
cada dedo olha a estrada.
Foi mãe que me descegou
para os cantos milagreiros da vida
apontando-me o fogo disfarçado
em cinzas e a agulha do
tempo movendo no palheiro.
Foi mãe que me fez sentir
as flores amassadas
debaixo das pedras
os corpos vazios
rente às calçadas
e me ensinou,
insisto, foi ela
a fazer da palavra
artifício
arte e ofício
do meu canto
da minha fala.
Conceição Evaristo, em “Cadernos Negros – poemas”. vol.25. São Paulo: Ed. dos Autores, 2002.
Conceição Evaristo é professora universitária, romancista, contista e poeta. Autora de Olhos d’água (2014) e tantas outras obras, é uma referência no estudo da literatura e suas obras trabalham com diferentes temas da sociedade brasileira, com destaque na afrobrasilidade.
Capa: Reprodução/Revista Prosa, Verso e Arte