Concerto para jacumã e remo
Por Pedro Tierra
Como não devo explicações nessa busca
e não guardo diário de bordo,
requeiro licença pra dizer:
- amarrei minha canoa
nas varandas da lua,
no portão anverso
- o lado turvo, o avesso,
o não-sei-onde…
e só agora me dou conta de que a lua,
mesmo quando lua cheia
e banhada nos rios
que me vertem das veias
é irremediavelmente deserta
para cultivar palavras.
(… Mergullho o remo
e remo sem rumo,
sem pauta,
sem porto algum
que me recolha
ao fim da madrugada.
Jacumã é lugar de partida
e de chegada.
Daqui navego a vida
que me coube navegar.)
A poesia aqui não brota
em razão da mudez,
talvez da excessiva solidão
ou, ainda, porue o exílio eterno dos ventos
defendeu este lugar
da dilaceração do grito.
A bem dizer não cheguei a lugar algum.
Aqui é quando a palavra não se apartou
do silêncio original
e o silêncio é apenas a escuridãoe o frio
à espera de batismo…
Pedro Tierra em “O Porto Submerso”, Prefeitura Municipal de Porto Nacional, 1993.
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