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Contratam-se doutores e mestres

Contratam-se doutores e mestres

Contratam-se doutores e mestres. O anúncio, embora à época parecesse ficção, tratava-se do prenúncio de alguns caminhos pelos quais estavam entrando, ou pensando entrar, algumas instituições de ensino do Brasil, especialmente as de ensino Superior.

Das Faculdades menores, nem vou falar, pois o objetivo é o aulismo vazio, abstrato. Das Universidades que, paulatinamente, estão abandonando e burocratizando a tarefa digna da pesquisa, eliminando seus bacharelados e recheando suas licenciaturas com conhecimentos pedagógicos generalistas, a terceirização do ensino trata de uma saída miraculosa para seus dirigentes que não têm compromisso com o futuro do país.

Acabam os problemas com as ausências, pois a empresa terceirizada teria que colocar imediatamente o substituto. Economizam na compra de equipamentos laboratoriais, já que as aulas práticas e as pesquisas não existiriam mais. Restaria um ou outro laboratório sucateado. Acabariam os problemas de negociação salarial com as Associações Representativas de Classe.

E, dessa forma, se estaria cumprindo a vontade dos pró-reitores acadêmicos, concuminados com a política atual do MEC, cujo objetivo é disseminar salas de aulas, com alunos e professores de qualidade duvidosa, por todos os cantos. A quantidade é fundamental.

O professor na sala de aula seria o difusor de conhecimentos generalistas, recheados de informações colhidas nos meios de comunicação e na mídia virtual. Os alunos, como figuras mutiladas e degradadas, quando formados, seriam jogados numa arena para uma competição global, semelhantes a bêbados brigando num “pula-pula”.

Esse modelo seria o paraíso para aqueles que querem aniquilar a alma da Universidade, que é a pesquisa científica, a produção de conhecimentos. Esses tipos de dirigentes nunca entenderam os diversos meandros da pesquisa, tanto de campo como de laboratório, nem sequer suas consequências, para a busca de respostas concretas que a sociedade exige.

Pesquisadores e intelectuais não se formam por decretos, se formam pela competência e experiência, pensam e fazem cultura, se tornam pessoas críticas e até “chatas” para quem não suporta a crítica. Esse modelo de terceirização permite aos poucos que esses pensadores e fazedores de cultura e também críticos sejam substituídos pelos emergentes terceirizados.

O anúncio, que soaria como ficção há pouco tempo, já é realidade em algumas áreas do Brasil. Devemos ter a lucidez necessária e a perspectiva de um futuro melhor, para evitar que esse mal venha afetar a atual Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

É necessário para isso conhecermos alguns lampejos dessa história.

Corria o ano de 1959, ainda não existia a Praça Universitária, as gramíneas nativas misturadas aos pés de douradinha, japecanga, arbustos e bromélias desciam docemente a declividade daquela pequena colina até encostarem nas veredas que margeavam as então límpidas águas do Botafogo.

Nessa época, ainda era possível ver vestígios dos pousos dos tropeiros, que muitas vezes ali se arranchavam, enquanto o gado descansava, pastando as gramíneas e bebendo as águas do rio.

Foi nesse ambiente que surgiu a primeira Universidade do Centro-Oeste Brasileiro, a hoje conhecida Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Os acanhados prédios ali construídos abrigaram seus cursos, alguns desses já funcionando noutros locais.

De lá para cá, se passaram 55 anos, pouco tempo na escala biológica, apenas duas gerações, mas as modificações foram muitas. Se penetrarmos além das aparências, constataremos que nesse curto espaço de tempo aconteceram profundas transformações, revolucionando o meio ambiente, a sociedade, os valores culturais, éticos e ideológicos.

A cidade cresceu e nesse crescimento foi paulatinamente engolindo os espaços. Em meio a esse crescimento, infelizmente a Universidade não soube preservar os seus princípios. Isso aconteceu, porque nem procurou se inserir no contexto modelador da seleção natural local, nem nas vocações regionais, tampouco na interiorização. A internacionalização virou padrão de modernidade.

Os ares dos novos tempos que modificaram a realidade trouxeram algumas consequências danosas. Uma delas foi a multiplicação inescrupulosa de entidades de ensino superior, orientadas pelo economicismo e pela política do quantitativo, e não fundamentada nas exigências e realidades das vocações regionais.

Esses novos ares, aos poucos, foram também afetando o dia a dia administrativo da hoje PUC Goiás que, se não ficar atenta e buscar novos caminhos, corre o risco de mergulhar na onda do economicismo inescrupuloso, desumano e anticristão e ainda o mais grave: abandonar a sua vocação regional.

Passou o mês de outubro de 2014, e a Pontifícia Universidade Católica de Goiás completou 55 anos. Outubro trouxe as primeiras chuvas, e os respingos das águas nas folhas das árvores fizeram lembrar a antiga canção de Serrat: “Hoje, nesta terra, onde os bosques se vestem de espinhos, há muito se ouviu a voz de um poeta gritar. Caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar”.

Portanto, se por acaso os ares da terceirização do ensino baterem às portas da Universidade e as encontrarem abertas, deixo um pedido aos colegas que conseguirem sobreviver: “Enterrem meu coração bem longe da Praça Universitária; não quero ver o ideário da querida Universidade Católica de Goiás ser levado pelas águas hoje poluídas do Botafogo”.

Observação: Esta crônica foi escrita quando a então Universidade Católica de Goiás celebrava seus 46 anos de fundação. Foi atualizada, porque a realidade só veio comprovar o que já se previa.

“Professor, sois o sal da terra e a luz do mundo”

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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