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CONVIVIALIDADE: UMA VIRTUDE QUE NOS FALTA

CONVIVIALIDADE: UMA VIRTUDE QUE NOS FALTA

Convivialidade: uma virtude que nos falta

A convivialidade como conceito foi posta em circulação por Ivan Illich (1926-2002), um dos grandes pensadores proféticos do século XX. [Illich] Tornou-se famoso por questionar o paradigma da medicina e da escola convencional. Por meio da convivialidade, tentou responder a duas crises: a do processo industrialista e a da ecologia

Por Leonardo Boff

O que se entende por convivialidade? Por convivialidade (não consta do dicionário Aurélio) se entende: a capacidade de fazer conviver as dimensões de produção e de cuidado; de efetividade e de compaixão; de modelagem dos produtos e de criatividade; de liberdade e de fantasia; de equilíbrio multidimensional e de complexidade social. Tudo para reforçar o sentido de [pertencimento] do ser humano dentro da natureza, da sociedade e do universo.

O valor técnico da produção material deve caminhar junto com o valor ético da produção social e espiritual (…). Os valores humanos do amor, da sensibilidade, do cuidado, da comensalidade e da veneração podem impor limites à voracidade do poder-dominação e à exploração-produção-acumulação (…).

A convivialidade também pretende ser uma resposta adequada à crise ecológica, produzida pelo processo industrialista dos últimos séculos (…). Alguns têm aventado a hipótese de uma catástrofe de dimensões apocalípticas. Isso é possível, mas não fatal. Importa deixar em aberto a chance de um uso convivial dos instrumentos tecnológicos a serviço da preservação da vida, do bem-viver da humanidade e da salvação de nossa civilização.

Esse novo patamar provavelmente conhecerá uma sexta-feira santa sinistra, que precipitará no abismo a ditadura do modo-de-ser-trabalho-produção material para permitir um domingo de ressurreição: a reconstrução da sociedade mundial sobre a base do cuidado, da responsabilidade coletiva e da real sustentabilidade.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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