Correrias
O padre Tastevin [Le Fleuve Murú, 1925] explica o confronto entre seringueiros e índios no rio Muru da seguinte forma, que parece adaptar-se plenamente a toda a região do Alto Juruá:
Por Manuela Carneiro da Cunha e Mauro Almeida
Nada mais fácil que acabar com uma aldeia incômoda. Reúnem-se trinta a cinquenta homens armados de carabinas de repetição e munidos cada um de uma centena de balas e, à noite, cerca-se a única cabana em forma de colmeia de abelhas, onde todo clã dorme em paz. À aurora, à hora em que os índios se levantam para fazer sua primeira refeição e seus preparativos de caça, um grito combinado dá o sinal, e os assaltantes fazem fogo todos juntos e à vontade.
Histórias como essa, tanto sobre roubos e assassinatos de seringueiros por indígenas, como das chamadas “correrias”, matanças organizadas de índios, ainda hoje podem ser ouvidas de qualquer morador do Alto Juruá.
Um local de pagamento de promessas, um santuário chamado de Nova Olinda, no Alto Tejo, marca o local do assassinato de dois irmãos seringueiros por índios, e até hoje é muito visitado pelas pessoas da região.
E as histórias de correrias são muitas. A convivência com os índios era marcada pela violência. Um seringueiro que foi denunciar o assassinato de alguns índios na delegacia da Vila Thaumaturgo, em 1942, teve primeiro que se informar com o delegado se realmente matar índios consistia em crime.
Esse contato fez-se também de outras maneiras, por meio de casamentos ou uniões informais entre seringueiros e índias, da adoção de crianças que escapavam das correrias e principalmente por meio da incorporação pelos seringueiros de costumes, conhecimentos e técnicas indígenas.
Mauro Almeida – Antropólogo. Excertos de artigo publicado no livro Enciclopédia da Floresta – O Alto Juruá: Práticas e Conhecimentos da Populações, Companhia das Letras, 2002.
Manuela Carneiro da Cunha – Antropóloga. Excertos de artigo publicado no livro Enciclopédia da Floresta – O Alto Juruá: Práticas e Conhecimentos da Populações, Companhia das Letras, 2002
Nota da Redação: Com a chegada dos “paulistas” para desmatar e transformar em pasto as florestas onde ambos viviam, indígenas e seringueiros se uniram, sob a liderança de Chico Mendes e vários líderes indígenas, para a formação da Aliança dos Povos da Floresta, nos anos 1970–1980. Foto: Rio Acre – Barracão de seringueiro (O Malho, RJ, 18 de outubro de 1902, Ano I, N.5).