Da Perfeição à Loucura 2

DA PERFEIÇAO AO DESINTERESSE À LOUCURA

Da Perfeição ao Desinteresse à Loucura

Ele já havia conquistado aquele território, o colonizava, não poderia permitir que ninguém mais se aproximasse, para isso precisava torná-lo desinteressante para qualquer novo conquistador que desejasse aquela terra…

Por Giselle Mathias

Não a via como humana, apenas como sua propriedade e como tal não poderia despertar o desejo de outrem, tinha que se esconder, se recolher, se anular, tornar-se indesejável.

Nunca entendi esse tipo de pensamento, sempre me foi estranho culpar uma pessoa pelo desejo de outrem, mas parece que essa é a lógica masculina, não só na sociedade ocidental.

A mulher precisa se esconder, ter um comportamento recatado e negar suas vontades, porque pode despertar o desejo do homem, o qual não é responsável por suas reações e impulsos, pois foi instigado e seduzido por uma fêmea, que vestia uma roupa curta, que sorria em uma conversa, que olhava e ouvia com atenção, que mexia no cabelo ou dançava alegremente ao som de sua música preferida.

Entendo que os sentimentos, desejos e sonhos pertencem a cada humano, mas quando percebemos que o outro desenvolve um sentimento que não é correspondido seja parcialmente ou na integralidade cabe a nós sermos honestos e agirmos com ética para que nada seja interpretado ou ampliado em ilusões.

Não me sinto responsável pelo desejo do outro, mas me sinto obrigada a não permitir que se iludam ou fantasiem algo que não acontecerá. Simplesmente sou, não para seduzir ou conquistar, sou humana, verdadeiramente e simplesmente humana.

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Mulheres Yawanawá – Foto: Raimundo Facó

Acredito na união pelo afeto, assim me uni e me vejo unida, seja nas amizades, na família, no trabalho, nos amores e diante de qualquer ser humano. Não preciso corresponder ao desejo do outro e nem ele deve corresponder aos meus, cabe a mim respeitar e compreender.

Quando ouvi a história da Filósofa o incomodo não foi somente pelo fim trágico, mas por ter percebido que assim como ela cedi ao modelo imposto de comportamento adequado para uma mulher comprometida e o quanto, apesar de todas as demonstrações, o que sentia pelo meu ex-marido foi desconsiderado, mesmo quando também cumpri o padrão de me apagar, de não olhar para o lado, de me isolar e anular com a crença que apenas assim ele se sentiria seguro do amor que nutria por ele.

Deixei de ser quem sou para provar um amor, o qual jamais foi reconhecido, porque simplesmente sua preocupação não era viver o amor que tínhamos um pelo outro; sua insegurança e medo em perder o território conquistado me impôs o recolhimento, a anulação e para isso eu precisava ser apagada, invisibilizada e por isso era hostilizada, o mecanismo utilizado por ele para o encarceramento, pois não seria nada, nem ninguém, sem que estivesse ao seu lado.

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Raimundo Facó

Assim como eu e muitas mulheres a Filósofa cedeu ao conceito imposto, parou de usar as roupas que gostava – porque para o Delegado eram insinuantes – mal conversava ou dirigia palavras às pessoas, se afastou dos amigos, pois para ele os homens que se aproximavam dela a desejavam.

Ela foi se apagando e isolando, vivendo em função e para aquele homem, com o único objetivo de provar o que sentia por ele e lhe dar a segurança exigida. Porém, nada disso servia, porque ela se desconectava de si mesma, acordava e se imaginava vivendo em um mundo paralelo, sentia-se vazia e começava a crer que a loucura seria o seu fim, pois cada vez que tentava conversar sobre como se sentia, ouvia dele que estava ficando louca.

Toda a sua perfeição do início da relação agora tinha virado loucura, e nada que fizesse ou demonstrasse não alterava a forma como tudo havia sido construído. A decisão que tomara era o seu resgate, a sua alma e o seu ser, por isso comunicou ao Delegado que não manteria aquele romance, que precisava do fim, precisava de si mesma. Assim, ela findou aquilo que a estava torturando e a forçando a inexistência.

Inconformado o Delegado passou a persegui-la. A seguia, implorava pelo retorno; apesar de não gostar das redes sociais passou a usá-las para tentar se comunicar com ela.

Todo aquele processo a deixava estressada, mas muitos diziam que era porque ele a amava, que com o tempo mudaria, afinal era o que ele lhe prometia; assim ela voltava para aquela relação acreditando que em algum momento tudo melhoraria e ele voltaria a enxergá-la como no período da conquista.

Mas ele jamais deixou de vê-la como propriedade, nunca entendeu o amor e desejo dela por ele e mesmo que fosse desejada por outrem isso não lhe dizia respeito, porque não havia sido instigado ou provocado por ela, pertencia única e exclusivamente ao outro.

O problema do conquistador é crer somente em si e em um valor atribuído por ele mesmo, desconsidera o sentimento do outro, acredita que o amor vem de uma mera manipulação de palavras e gestos, não percebe que despreza a si próprio, pois não enxerga que pode ser, simplesmente, amado.

Essa para mim é a maior contradição do conquistador: o imenso desejo em ser amado – mas não perceber o quanto é amado – e por isso destrói o que se apresenta como humano e verdadeiro, sufoca e aprisiona imaginando que o outro será só seu, sem permitir que a pessoa seja plena de si, mas ao contrário, apenas um pássaro aprisionado em uma gaiola. 

Depois de tantas idas e vindas e após ele não compreender o que é o sentimento amoroso, ela não mais suportou e decidiu que não haveria mais retorno; não abriria mão de si, já que não era possível a ele enxergar o que ela sentia, e que era esse afeto que a mantinha ao seu lado – preferia estar só. O fim definitivamente chegara!

Caliandra Portal Embrapa

Calliandra – Reprodução/Internet


 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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