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Dá pra aprender com a colonização escravista?

 
 

Dá pra aprender com a colonização escravista?

Jaider Esbell

Minha família como a sua, é fruto disso. Por resistência de nossos antepassados e de nossos eternos presentes, guias, entidades e seres maiores que nunca serão escravizados estamos vivos para contar outras histórias.
Certamente você tem ascendência em alguma nação que ainda sobrevive nesse vasto mapa. Certamente seu sangue tenha DNA de pessoas brancas da Europa e de raiz africana também, o povo negro.
Eu não fujo à regra, nem que quisesse ou negasse. Também não tente negar nem negar-se tampouco busque esconder isso das crianças pois isso é outra maldade sem tamanho.
Meus pais de ambos os lados assim como meus avós já cresceram no mundo cruzado. No nosso caso por aqui temos a vaca como membro de nossa família há muito . Essa relação passeia por tantos entremeios e acredite sempre foi uma relação de brutalidade.
Sabem como se maneja gado bovino? Com certeza não é com carinhos e afagos. Por fim, posso dizer que triunfamos pois o fato de eu estar aqui tentando ser poético é para deixar dar vazão a essa ponta ainda de essência que restou em nossa natureza.
Cultivar alimentos é um processo estratégico de sobrevivência. Quando se vive em estado de guerra, não há outra forma de viver e sair vivo dando olés às barbáries se não desenvolvermos uma relação estratégica de intimidade com as dores.
No todo restam alguns momentos de prazeres e digo sem medo de errar eles são possíveis dentro de uma tristeza opressora que sempre convida à apatia e por fim a morte. Morte nem sempre quer dizer da e vida nem sempre quer dizer estar respirando ou andando.
As duas coisas são amplas e morte também é não saber de quase nada da vida e vida pressupõe entender minimamente de mortes.
Conhecimentos, habilidades, estratégias e essencialmente a tomada de técnicas, não vou usar a palavra assimilação pois esta foi estigmatizada nos discursos e estudos decoloniais, ficou negativada.
Com tantas vacas para todo lado bebendo a água de nossos lagos e rios que sempre se repõem com as chuvas que nossos avós nos mandam, cabe um direito ao usufruto disso, embora saiba e não ache nem um pouco justo que nem todos nós, vivos hoje passam experimentar prazeres.
As vacas que andam hoje por nossas terras gerais nunca deixaram de causar estragos. Sempre alguém vai reclamar e com razão o seu pisoteio. Sempre alguém vai as ter como malditas e boa parte vão tê-las como desejo.
Makunaima quando em suas andanças já havia visto os rebanhos na Índia quando foi ter uma reunião por lá a convite de Shiva. Encantou-se Maku com as mimosas e as quis por aqui também. Essa está em sua metade e é por causa disso que nessa fase só conseguimos ver os absurdos.
É preciso que a história ande para que chegue no tempo certo, no povo certo.
Por acaso não sabes dos povos que buscam as terras sem males? Quando se fala assim, tende-se a achar que tudo é uma relação bíblica e cristiânica mas, gente, acordem, isso é muito mais anterior que o grosso que dominou o mundo com suas guerras loucas.
É preciso aprender a técnica, estar com tudo certinho para fazer os feitiços. Não é uma questão de receita, essa coisa pronta que bem caracteriza a “modernidade”. A técnica eu acho que soa mais como uma coisa de caminhada, muita observação e seguidas tentativas até aprimorar ao ponto de fazer outros sabores.
Esse gado que tanto come nossas matas, as mata que nasceram após o grande dilúvio que deu depois que Makunaima devolveu o mundo cortando a grande àrvore Wazaka;ye.
Sim, pode ficar seguro disso, essas matas todas são nossas pois foi o vovô que deu pra todos nós. Se seu povo tá vivo, é neto de Makunaima e pode ficar alegre por seu meu parente. Do mais brabo ao mais safadinho, todos somos irmãos filhos do mesmo pé de pau.
E tem muito para se falar nessa longa narrativa mas eu estou tentando falar do queijo que minha mãe e eu fizemos juntos. Queijo manteiga. Uma que eu adoro. Embora não coma mais carne bovina, por ordem de Makunaima mó de dar bons exemplos aos seus, o derivado do leite ainda pode.
Junta gado todo dia, separa bezerro, ordenha, coa, bota para coalhar, escorre, peneira, bota leite, leva ao fogo, tira, escorre bem, bota manteiga da própria coalhada e mexe no fogo certo etc e tal.
Tem gente que só quer a receita quando ela nem existe.
O que existe é uma chance para autoconsciência de que enquanto se saboreia essa delícia, se tenha minimamente a noção da diferença entre sofrimento e glória. Sobre a das coisas e sobre o prazer de aprender fazendo, na grande escola da vida e da partilha.
Agora me digam como é que faz para ser tão direto como o momento pede. Escrevi com o gosto do queijo na boca, com o gosto de sangue na mas meu coração não permite que as piores energias infeccionem meus espíritos pois eles são muitos e se renovam sempre em si mesmos e isso é uma dica para falar de como refazer-se juntando os cacos distantes mas que ficam tão perto quando enxergamos a terra de fora e podemos botar as distancias nas linhas na nossa não, juntar tudo na covinha que forma na palma, assoprar os ciscos das loucuras erradas das enganações e beber, como se bebe uma água pura, simples e transparente!
Gratidão, crianças!

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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