Das pitombas às uvas finas
Talvez eu tenha sido, ao longo das últimas duas décadas, o maior crítico do Projeto da Transposição do rio São Francisco. Sempre baseado nos estudos e conhecimento da geologia regional e na formação dos aquíferos Bambuí e Urucuia, alimentadores e responsáveis pela perenização do São Francisco…
Por Altair Sales Barbosa
Também estudei todo o complexo de sedimentação, responsável pela bacia do rio Parnaíba, e seu irmão gêmeo, o rio Gurguéia.
Ainda, para fundamentar essas críticas, mergulhei em quase todos os estudos de geologia evolutiva regional, de geotecnia, e nos sistemas de ocupação humana da região, desde a aurora da Pré-história, até a entrada do capital internacional, que começou na década de 1970 e foi-se incrementando com o tempo, chegando ao auge entre 2010 e 2019, quando se agregou ao Projeto da Transposição do São Francisco, agora denominado de Projeto de Integração de Bacias, a ideia do Projeto Matopiba, encabeçado pela ministra da agricultura da então presidente Dilma Rousseff, com total apoio dos então governadores do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Além dos estudos, cuja atualização constante sempre procurei conservar, me juntei a muitos movimentos sociais e eclesiásticos do Nordeste, na ânsia de podermos convencer os políticos de que o projeto era um equívoco. Fizemos várias reuniões para discutirmos o assunto. Uma dessas aconteceu com o próprio presidente da República, à época o Senhor Luiz Inácio Lula da Silva, em seu gabinete no Palácio do Planalto.
Tudo em vão, o Projeto da Transposição continuou, assim como foi tomando forma a idéia do Matopiba.
Não cabe aqui enfocar os prejuízos ambientais, sociais e econômicos, que foram surgindo ao longo do tempo. Apenas ressaltar um outro assunto.
O nordestino, falo com conhecimento de causa, porque quando criança vivi e fui criado no local, suas ou nossas frutas mais comuns eram a pitomba, com pouca polpa para ser consumida, caroço grande e escorregadia, qualquer descuido, era engolida com o caroço; o umbu, que, de tão azedo, o próprio povo dizia que desbotava os dentes, ou seja, tirava seu esmalte protetor; o juá, pequeno fruto do juazeiro, que consumíamos, porque não havia outra opção, nem sabor definido tem.
Vez ou outra, apareciam algumas mulheres, com gamelas à cabeça, apoiadas em rodilhas de pano, vendendo uma espécie de manga, cheia de fiapos, que após o consumo, ficávamos certo tempo limpando os fiapos que se enfiavam entre os dentes.
Hoje em dia, entretanto, olhando os vales irrigados do São Francisco, principalmente nos arredores do grande polo exportador próximo a Petrolina e Juazeiro, quase não acredito na variedade de frutos e produtos de altíssima qualidade, produzidos na região. São citros, melões, bananas, mangas finas, maçãs, peras, nectarinas, uvas de várias espécies, algumas produzem vinhos, de qualidade ímpar, outras produzem sucos integrais. Uma variedade de frutas desidratadas, que chega a parecer um sonho, vários tipos de sucos, que para quem se contentava com uma simples gasosa, parece até que estamos, ou nos encontramos no sétimo céu descrito por Maomé no livro sagrado do Alcorão.
Confesso do fundo do meu coração, que fico contente ao presenciar tanta abundância. Entretanto, não retiro uma vírgula das críticas que fiz e que certamente continuarei analisando. Porque tais críticas se fundamentam e se orientam pela seta do tempo.
E, utilizando um termo da literatura de cordel, é como se deslumbrasse à minha frente, a peleja entre o efêmero e o eterno.
Neste caso, tomo o lado das gerações futuras.