Das reminiscências de Geraizeiro à Consciência da luta pelo Cerrado
Por Kleytton Morais
Tido como o segundo maior bioma do Brasil e maior bioma da América do Sul, abrangendo um território de mais de 2 milhões de km², cerca de 22% do território nacional, o Cerrado é considerado hotspot mundial de biodiversidade. Também conhecido como berço das águas, ele abriga as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul. Todavia, esta riqueza ainda é desconhecida por muitos brasileiros.
O Cerrado é um dos biomas mais atingidos pelo desmatamento causado pela expansão pela (ir)racionalidade econômica que, desde a década de 1970, é impulsionada por sucessivos projetos e governos. Por exemplo, a política de Estado de estímulo ao plantio de maciços de eucalipto, na década de 1970, foi a partir do arrendamento de terras tidas como desocupadas a empresas e, no período mais recente, a introdução da pecuária e das monoculturas de soja e milho, duas das principais commodities de exportação da economia brasileira, que causam alterações ambientais severas, como a perda de biodiversidade e a escassez de água.
Tais ações impactam a savana brasileira como nenhum outro bioma: foi cortado pela metade. E o desastre segue, desta feita com a implementação do projeto Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
Os prejuízos trazidos ao sistema Cerrado, aqui entendido o biológico, geográfico e cultural, causam grandes impactos ambientais, no mais das vezes irreparáveis, e empobrecem a população das comunidades que nele habitam, sobretudo os povos tradicionais: agricultores(as) familiares, quilombolas, indígenas, extrativistas, dentre outros. As consequências dessa insustentável lógica – frente ao avanço do agronegócio –, é mais êxodo rural, um grave problema social para o Brasil.
A sustentabilidade é essencial neste momento. Há exatos três anos, ainda trabalhando na Fundação Banco do Brasil, assessoramos o projeto Recupera Cerrado, um acordo de cooperação com a Secretaria de Meio Ambiente do DF, o Serviço Florestal Brasileiro e o Instituto Brasília Ambiental (Ibram). À época, o DF sentia os reflexos da crise hídrica e, por isso, sua assinatura representava também um marco. A lógica do projeto é a de preservar as áreas de recarga hídrica, visto que as principais bacias hidrográficas da América do Sul – a Platina, a Amazônica e a do Rio São Francisco têm aqui neste bioma suas nascentes.
De outro lado, destacamos a importância da Estação Ecológica de Águas Emendadas, no extremo nordeste do DF. A reserva, com quase 11 mil hectares, abriga as nascentes e cursos d´água que abastecem tanto a bacia do Tocantins como a do Paraná.
A Fundação Banco do Brasil atua há alguns anos com recuperação ambiental nas bacias hidrográficas do DF por meio do programa Água Brasil e do projeto Rio São Bartolomeu Vivo. Há ainda outros programas voltados para a promoção e preservação do Cerrado, como a Rede Cerrado.
Mais recentemente, a FBB é responsável pelo projeto Recupera Cerrado, uma espécie de bônus ambiental para as empresas que em suas atividades principais são devedoras do meio ambiente e, por imposição legal, precisam realizar a compensação ambiental que, neste caso, se dá a partir da atuação organizada e estruturada pelo pessoal da Fundação do Banco do Brasil que, em seu escopo de atuação, estimula a disseminação de soluções sustentáveis para geração de emprego e renda, prioritariamente voltadas para os públicos de quilombolas, indígenas, pequenos agricultores, catadores de materiais recicláveis etc. e, a partir do prêmio tecnologias sociais, como também desenvolvendo projetos iniciais que, potencializados, transformam-se em políticas públicas, a partir das premissas de respeito cultural, sustentabilidade e replicabilidade a baixos custos.
Portanto, um laboratório de ações possíveis para harmonizar em outro paradigma atividade econômica e sustentabilidade. Nessa perspectiva, inserem-se ainda projetos como o Balde Cheio, Barraginhas e o Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, Tecnologia Social reconhecida pela Fundação Banco do Brasil que proporciona ganhos econômicos, ambientais e sociais, possibilitando ao produtor produzir alimentos, carne e leite, e ter ainda uma floresta ou pomar, tudo isso em uma mesma área agricultável.
A ATUAÇÃO ARTEIRA: SENSÍVEL E MILITANTE
Outro Projeto que destacamos é o Salve o Cerrado. Fruto da mobilização de diversos artistas para a conscientização da importância do Cerrado e da sua preservação. O movimento é explicado pelos músicos Tiago Mória e Atan Pinho e une música, fotografia, artes plásticas e educação ambiental em prol da preservação do Cerrado.
A ideia do projeto inicialmente era apenas a gravação de um disco (eles já têm 14 músicas produzidas), a partir da percepção de que muitos artistas locais já homenageavam o bioma. Hoje, o projeto conta com artistas plásticos, fotógrafos e comunicadores.
A ideia é juntar gente que se interessa pelo tema, fazer uma frente ampla e chamar atenção para a questão. Pessoas afins e que tragam o amor ao habitat e a preocupação com o futuro, numa perspectiva ambiental.
MINHAS MEMÓRIAS E O DIREITO ÀS GERAÇÕES
Geraizeiro que sou, sim, minha queridíssima Santa Maria da Vitória é região de transição entre o Cerrado e a Caatinga, não posso deixar de lamentar o sentimento que nos toma ao ver a vazão do rio Corrente se esvair. Ele que é dos afluentes mais importantes do Rio São Francisco. E tudo por conta do que ocorre a cima do rio: fruto da ganância incomensurável do agrobusiness, que decompõe a paisagem num tapete verde ilusório de venenos vegetais que não matam nem a fome que há na terra, tampouco alimentam tanto a gente como pregam.
É preciso teimar e assim inventar novos caminhos, entrincheirar com alinhados, para que minhas filhas e netos e os de vocês possam viver o que na memória trago, imagens das primeiras chuvas, quando enveredávamos mato adentro nos gerais à procura de cajus, jatobás e cagaitas. Que maravilha indescritível de cheiros, delícias!
À frente do Sindicato dos Bancários de Brasília, espaço importante de mobilização e feituras, que pode muito, mas não pode tudo, com minhas companheiras e companheiros, assumo e pretendo lançar à categoria o compromisso com ações concretas e simbólicas em defesa do Sistema Cerrado.
De imediato, integrarmos às Campanhas em Defesa do Cerrado apoiadas por organizações e movimentos sociais que buscam a valorização da biodiversidade e das culturas dos povos e comunidades do Cerrado. E, numa construção mediata, inserir em nosso planejamento estratégico, em estrito diálogo com a categoria, adotar para o ano uma área para reflorestamento e cuidado a partir de iniciativa consorciada dos bancários, outras categorias e entidades.
Ações e massa crítica fundamentais e urgentes para combater a “passagem da boiada” que hoje, além do Cerrado, queima o Pantanal e a Amazônia.
Kleytton Morais- Líder Sindical. Presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília.