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Davi Kopenawa: O presidente é um Xauara

Presidente Xauara: “Bolsonaro é o que nós, Yanomami, chamamos de xauara, o que possui um pensamento adoecido” , diz Davi Kopenawa Yanomami

Há quase 20 anos, em meio às celebrações dos 500 anos da chegada dos portugueses ao , o líder Yanomami  passou por Parintins, no Amazonas, na chamada marcha indígena, rumo ao Monte Pascoal, em Porto Seguro.

Por Davi Kopenawa Yanomami

Durante a jornada, em pleno governo do presidente (e sociólogo) Fernando Henrique Cardoso, foi recebido por bombas de gás lançadas pela Polícia Militar e precisou retroceder. Era o começo de sua luta pública. “Na festa da celebração do Brasil, descobri qual era nosso lugar nisso tudo. Percebi que a maioria não gostava nem de ficar perto de índio. Foi lá a primeira vez que me deparei com a violência policial”, conta o xamã, um dos nomes mais importantes na luta indígena do país.

Duas décadas depois, Kopenawa voltou a Parintins como destaque na apresentação do Boi Caprichoso no festival que leva o nome da cidade e foi realizado no final de junho. Não foi recebido por bombas no caminho, mas sequer pôde conversar com jornalistas.

Pouco conhecido nas ruas, ele afirma ser alvo certo dos ruralistas e expor sua imagem pode ser um risco à sua própria vida. O nos encontra, então, em uma chácara nos arredores da cidade, para uma entrevista exclusiva, na qual fala, entre muito assuntos, sobre a mineração em terras  – causa provável, segundo denúncia dos indígenas, do assassinato do cacique Emyra Wajãpi, que teria sido atacado por garimpeiros.

Enquanto observa da varanda o sutil movimento do vento em direção às árvores, o xamãdenuncia a grande ameaça que representa a exploração de nióbio, mineral que o presidente Jair Bolsonaro afirma ser a salvação da brasileira.

“Eu moro no pulmão do mundo, mas estão interessados em acabar com nossa mata, nossos rios, estão matando tudo. Mataram pelo ouro, agora para produzir bijuteria. O que vale isso aí?”, questiona, apontando para uma pulseira avaliada em 20 reais. Em 2010, o site Wikileaks vazou um documento em que as minas de nióbio brasileiras eram consideradas recursos estratégicos para os EUA.

‘Bolsonaro xauara’

A Amazônia perdeu, nos últimos 30 anos, 18% de sua área florestal. De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) em junho de 2019, foram destruídos 920,4 km² de mata em relação ao mesmo período no ano anterior. Por hora, a área desmatada equivale a 20 campos de futebol, um resultado desastroso da entrada do PSL no governo.

“Bolsonaro enganou muita gente, até indígenas, mas a mim ele não engana. Ele é o que nós, Yanomami, chamamos de xauara, possui um pensamento adoecido, completamente louco. Quer manchar nossas terras, exercer sua maldade quando, na verdade, deveria estar ali apenas para respeitar as leis”, opina.

O pajé Yanomami olha nos olhos, se expressa para além do verbo e não teme nem mesmo os mais poderosos do país. E destaca que até o momento não houve diálogo entre o atual governo e seu povo. “Quando ele fala sobre comunidades indígenas, está mentindo.

Fala que a gente quer carro, quer mineração. Isso ele julga por ele. Não estou roubando, nunca tirei nada de ninguém. Falar é meu direito! Não tenho medo dele ou da bancada ruralista. Eles querem dinheiro, querem conforto, querem entregar a Amazônia na mão dos Estados Unidos, do Japão, da Alemanha.”

Demarcação de terras

Desde a marcha indígena de 2000, o país viu cinco nomes assumirem a presidência. Independentemente da vertente , a demarcação de terras pedidas pelos povos que aqui sempre estiveram não foi prioridade para nenhum governos, nem mesmo os do PT, diz o pajé. “O que exigimos é um pequeno território, que está previsto na Constituição. E ainda querem reduzir as terras a que temos direito… A única coisa que eu peço é que o Bolsonaro respeite a lei e o povo indígena, o brasileiro legítimo”, afirma.

Hoje, aos 63 anos, “calculados”, Kopenawa já viajou pelo mundo principalmente pela notoriedade de seu livro “A queda do céu” (Companhia das Letras, 2015), um retrato da metafísica indígena escrita em co-autoria com o etnólogo francês Bruce Albert. Foi ainda que começou a ter sonhos e avisos dos xapiri — os bons espíritos. “Me tornar pajé foi escolha dos xapiri. Lutar pela floresta e meu povo, a foi escolha minha. Viajo, vou longe, vejo a cidade e volto. Meu lugar é na minha comunidade, ao lado do meu povo. Só saio para defendê-los. Posso até ficar um ou dois meses fora da aldeia, mas só abandono quando eu morrer”.

No entanto, não é raro que alguém generalize exceções indígenas que desejam ocupar as cidades. “Tem índio que estudou, aprendeu a língua do capitalismo, gostou do mundo moderno e ele que fique na cidade. A maioria de nós prefere a comunidade. O povo Yanomami sofreria na cidade. Não teríamos emprego, mal falamos a língua de vocês. Vamos fazer o quê? Morar aonde? Você acha que teremos alguma garantia? O governo não dá nada pra vocês… Para nós, o essencial está na floresta. Somos de lá”.

Em meio às diferenças culturais que envolvem a cosmologia, “A queda do céu” se faz leitura fundamental na construção de uma nova consciência no que diz respeito ao desmatamento. Na crença Yanomami, a floresta só se mantém se houver uma pausa emergencial nas extrações. O que chamamos de é, para os Yanomami, o enfraquecimento de Omama — que equivale a Deus em sua cultura — no suporte do declínio cósmico.

Localizados no extremo norte do país, na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, os Yanomami tiveram a demarcação de seu território homologada em 1992 a partir de um decreto presidencial de Fernando Collor depois de muita morte e luta.

Hoje, comunicam suas percepções cosmológicas com a sociedade não-indígena graças ao encontro com um homem branco que habitou seu território, aprendeu o dialeto e produziu algo maior junto à comunidade. “Eu e Bruce ficamos amigos, mas o livro foi uma exigência minha após ele passar mais de um ano convivendo conosco e coletando informações da nossa cultura. Chegou um momento em que o chamei para uma conversa e disse que era muito importante falar sobre o meu povo sob um ponto de vista que fosse meu, não dele”.

Antropólogos e indígenas

A relação entre antropólogos e indígenas é tênue, e, para Kopenawa é necessário que haja uma contrapartida: criar ferramentas para alavancar o que é tido como inalcançável. “O antropólogo precisa entender que seu estudo não pode parar em si mesmo. Tem que gerar possibilidades para nós”.

São constantes os convites internacionais na vida do líder Yanomami. Ele, que este ano esteve em Harvard, nos EUA, enfatiza o privilégio de um convite. Se decidisse tentar um visto por conta própria, talvez não tivesse sua entrada autorizada. Cidadania, definitivamente, não é um direito nítido aos . “Fora do Brasil me mandam passagens. Reconhecem minha luta, o meu desejo de ficar em paz com meu povo. Mas se eu não fosse convidado por eles, jamais seria bem recebido nos Estados Unidos. Não podemos esquecer que foram os primeiros a matar meu povo”.

O Festival de Parintins

Mesmo no Norte do Brasil, um dos pontos em que habitam em maior concentração, os povos da floresta estão marginalizados. Eles, que compreendem o tempo das coisas observando as estações, o cultivo e as sabedorias ancestrais, possuem poucos meios para afirmar e propagar a própria cultura entre os não-indígenas. O Festival de Parintins, uma espécie de ópera da selva, é a maior celebração do folclore brasileiro, celebrando sobretudo a identidade indígena. Para Kopenawa, uma forma de começar a estreitar laços com um outro Brasil.

“É uma festa realmente muito linda, que valoriza o indígena. O povo de Parintins está às margens do Rio Amazonas, então sabe que é preciso cuidar para que a gente consiga sobreviver. ”Com enormes alegorias que destacam indígenas, ribeirinhos e animais silvestres, são constantes as narrativas dos bois Garantido e Caprichoso sobre nossa história genocida. “Gostei muito de participar. É uma festa que os brasileiros precisam conhecer melhor”. Para além do festival, realizado em junho, época da cheia no verão amazonense, conhecer melhor a cultura indígena é ponto de partida para construir outras ideias do devir brasileiro enquanto o céu não cai. “O índio é quem está à frente desta luta, mas o homem branco precisa ser o suporte para que a gente consiga agir”, conclui o pajé.

Fonte: Esta reportagem foi publicada por Racismo Ambiental em 06-08-2019.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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