Davi Kopenawa: “Sob o encanto dos xapiris”
Quando eu era jovem e ainda não era xamã, eu não sabia sonhar. Era igornante e dormia como uma pedra jogada no chão. Era incapaz de ver as coisas da floresta durante o sono
Por Davi Kopenawa
Mais tarde, entendi que não devia esquecer as palavras de Omama que nos vêm desde o primeiro tempo. Então, pedi aos xamãs mais velhos da minha casa para me transmitirem os cantos dos xapiri, para assim poder sonhar de verdade.
Antes, quando eu dormia, só via coisas muito próximas. Ainda não tinha em mim o sonho dos espíritos, que permite que a imagem dos xamãs viaje longe. Não conseguia contemplar as coisas do tempo de nossos ancestrais, nem ver o que eram de fato o trovão, o céu, a lua, o sol, a chuva, a escuridão e a luz. Eu aida era ignorante.
Foi só depois de ter bebido pó de yãkoana por muito tempo que pude conhecer a imagem de todas essas coisas. É desse modo, com eu disse, que os habitantes da floresta estudam, virando espíritos.
Os brancos são outra gente. A yãkoana não é boa para eles. Se começaram a beber sozinhos, os xapiri, chateados, só vão emaranhar seus pensamentos e a barriga deles vai cair de medo. A imagem da yãkoana só tem amizade por quem nasceu na floresta.
Depois de ter me tornado xamã, comecei a conhecer melhor os xapiri e, assim, a ampliar meu pensamento. Desde então, não paro de chamá-los e de fazer descer suas imagens. Quase nunca durmo sem responder a seus cantos à noite. Sempre os vejo dançar com gritos de alegria em meu sonho.
Quando eu era adolescente e ainda não sabia nada dos espíritos, às vezes pensava que os xamãs talvez cantassem à toa. Até perguntava a mim mesmo se não estariam mentindo sob os efeitos da yãkoana!
Mas depois de ter eu mesmo conhecido o seu poder, entendi que não era nada disso e que eles realmente respondem aos encantos dos xapiri. Aí, pensei: “Se eles só fingissem que viam os espíritos, acabariam ficando com medo do poder da yãkoana e parariam de bebê-la! Mas é o contrário: eles trazem mesmo as palavras de terras distantes de onde baixam seus espíritos! É verdade!”
Davi Kopenawa e Bruce Albert em “A queda do céu – palavras de um xamã Yanomami”. Companhia das Letras, 2010.
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Foto: Claudia Andujar
DAVI KOPENAWA – UM LÍDER, UM PAJÉ, UM GRANDE SÁBIO
“Para nós, desenvolvimento é ter nossa terracom saúde, permitindo que nossos filhos vivam saudáveis, num lugar cheio de vida.” – Davi Kopenawa
Por Felício Pontes Jr.
Davi Kopenawa é um sábio. É uma mistura de sacerdote, pajé e líder político dos Yanomami – povo indígena que habita o estado de Roraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela.
No final dos anos 1980, seu território foi invadido por 40 mil garimpeiros. Esse contato ocasionou a morte de mais de mil indígenas por violência e doenças.
Antes, em 1960, o clã desse pajé Yanomami foi quase dizimado por doenças contagiosas, em outra tentativa do contato dos “brancos”, deixando-o órfão, ainda criança. Davi não se entregou.
Cresceu e correu mundo denunciando o desrespeito aos direitos humanos de seu povo. Ganhou o Global 500, prêmio das Nações Unidas aos mais destacados defensores do meio ambiente; e o RightLivelyhood, considerado o Nobel alternativo, entre outros.
E conseguiu o reconhecimento da Terra Indígena Yanomami pelo governo brasileiro em 1992. Nesse momento em que o Congresso Nacional discute o Projeto de Lei n. 1610/96, que abre as terras indígenas para a mineração, é importante ouvir a voz desse líder.

UM LUGAR CHEIO DE VIDA
“Vocês, brancos, dizem que nós, Yanomami, não queremos o desenvolvimento. Falam isso porque não queremos a mineração em nossas terras, mas vocês não estão entendendo o que estamos dizendo. Nós não somos contra o desenvolvimento.
Nós somos contra apenas o desenvolvimento que vocês, brancos, querem empurrar para cima de nós. Vocês falam em devastar nossa terra-floresta para nos dar dinheiro. Falam que somos carentes. Mas esse não é o desenvolvimento que conhecemos. Para nós, desenvolvimento é ter nossa terra com saúde, permitindo que nossos filhos vivam saudáveis, num lugar cheio de vida.
Mas falam que somos pobres e que nossa vida vai melhorar. Mas o que vocês conhecem da nossa vida para falar que vai melhorar? Só porque somos diferentes de vocês, vivemos de forma diferente, damos valor para coisas diferentes, isso não quer dizer que somos mais pobres.
Nós, Yanomami, temos outras riquezas deixadas pelos nossos antigos que vocês, brancos, não conseguem enxergar: a terra que nos dá vida, a água limpa que tomamos, nossas crianças satisfeitas.”
Felício Pontes Jr. – Procurador da República.






