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Democracia: Alegria cívica para enfrentar o presente e construir o futuro

DEMOCRACIA: ALEGRIA CÍVICA PARA ENFRENTAR O PRESENTE E CONSTRUIR O FUTURO

Democracia: Alegria cívica para enfrentar o presente e construir o futuro

A pouca cultura política faz confundir democracia com partido político, governo com Estado. Não há preocupação com as instituições. Inexiste a consciência de que elas podem ser aperfeiçoadas

Por Jacy Afonso

A democracia é muito mais que partidos políticos e que governos. É garantia de estabilidade, de pactos de convivência, de acordos sobre as prioridades públicas. Somos obrigados à convivência. Em nada na vida, e muito menos em um país, é possível fazer uma linha divisória, desconsiderando o passado.

A história não é mecânica, homogênea, linear. Há que se considerar a diversidade, a multiplicidade dos tempos, as especificidades culturais e a realidade. Não há avanço contínuo na História. Ela se bifurca, aponta outros caminhos. Permite articular ações no presente para o planejamento de projetos de futuro para avançar em padrões satisfatórios de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos. E renovar a esperança.

Em 2014, tivemos a oportunidade de relembrar que há 50 anos ocorria o golpe contra o governo João Goulart. O marco desse momento foi a reflexão sobre a resistência da sociedade brasileira contra o estado de exceção determinado pelos militares, resgatando a memória de um regime que cassou direitos individuais, coletivos e políticos, violentou física e psicologicamente, perseguiu, prendeu, torturou, exilou e matou.

Com ideologias conservadoras, a ditadura impôs currículos escolares, nomeou escolas, monumentos, pontes, estradas em homenagem a militares e seus asseclas.

Os brasileiros e brasileiras merecem conhecer o ocorrido no período sombrio e antidemocrático iniciado em 1964 para não o reviver. Muitas ações nesse sentido foram fortalecidas com as apurações da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Instituída em 2012, a CNV apurou graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 1964 e 1988; trouxe à luz as violências físicas e psicológicas sofridas por aqueles que combatiam a ditadura militar, incluindo nossa atual presidenta Dilma Rousseff.

O Sindicato dos Bancários de Brasília, do qual sou militante e filiado desde 1980, e de onde também fui dirigente, instalou sua própria Comissão da Verdade, que apontou que mais de 300 bancários de todo o país tiveram seus direitos violados, sobretudo os participantes do movimento sindical.

Dentre eles, destaca-se Adelino Cassis, fundador e ex-presidente do Sindicato, que teve seu mandato cassado, foi preso, torturado e demitido do Banco do Brasil.

Impulsionando um movimento de desconstrução dos pseudo-heróis da Ditadura, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) lançou campanha para mudar os nomes das escolas – segundo o Inep, em 2014, eram 976 – que homenageavam os ditadores e seus agentes de repressão. Outras ações deram continuidade ao processo.

Mais recentemente, em Brasília, pela ação dos movimentos sociais, transformada em Projeto de Lei de iniciativa do Deputado Distrital Ricardo Vale (PT), a Ponte Costa e Silva passou a se chamar Honestino Guimarães, em memória do líder estudantil desaparecido na ditadura.

E a UFRJ revogou o título de Doutor Honoris Causa concedido ao general Médici em 1972, restabelecendo naquela Universidade os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Não podemos perder a referência de que a democracia é um bem em todos os momentos históricos, independentemente das circunstâncias. Não é um fim em si. É uma ferramenta indispensável para a construção contínua da cidadania, da justiça social e da liberdade compartilhada. É a garantia do princípio da igualdade entre todas e todos.

O filósofo Mario Sergio Cortella afirma que para aprimorar a democracia falta-nos alegria cívica, falta-nos capacidade de olhá-la como um patrimônio e não como um encargo que dá trabalho, pois nos obriga ao movimento, ao debate, a ter de fazer escolhas e nos responsabilizar por elas.

Nossa cidadania sofre uma espécie de osteoporose; fratura-se com facilidade, em parte por condições históricas, mas também porque o processo democrático não é nossa prioridade. Boa parte da sociedade brasileira passou à margem das decisões e ainda não entende que necessita fazer da democracia capacidade de construir e proteger, de forma coletiva, nossos ideais e nosso futuro.

Precisamos nos encantar com a democracia, cuidando dela como protegemos aquilo que nos é precioso. E reafirmamos Cortella: “Alegria cívica é a possibilidade de vibrarmos com a condição de a democracia estar entre nós. Ainda jovem, estruturando sua condição, mas como algo que no nosso horizonte nos dará muito mais efusividade de participação”.

Capa:Guilherme Santos/Sul21

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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